É tempo de São João e a ilha está em festa!
As ruas apertam-se com as gentes que voltam, que chegam, que as descobrem, ou revisitam. As varandas, vaidosas, vestem-se de mantas de retalhos que lembram o rendilhado dos cerrados nos campos.
Por toda a cidade marchas, antigas e novas, ecoam o ambiente alegre, pautadas pelas filarmónicas, quase todas, afinadas.
Os marchantes são tantos que me pergunto se a ilha inteira desfila, rua abaixo, enquanto os "de fora" a vêem dançar.
Organizam-se as cores tendo as cantigas como tema e a lua como limite.
"Cá fora" vive-se a música e a dança. "Lá dentro" vestem-se os papéis, assumem-se as posições e... sai a marcha! Do início até ao fim, sem parar de sorrir, mesmo se trocar a volta aos pares ou tropeçar no refrão, os marchantes estão felizes e tencionam parecê-lo.
É todo um ano de planeamento e inspiração, de empenho e coordenação, que se cumpre rumo à praça ao ritmo dos músicos que seguem atrás do cortejo.
Fora da passadeira vermelha, que cobre o percurso oficial, a vida parece continuar em câmara lenta. O centro da acção é a cadência das tarolas e à volta tudo se passa em função de cada marcha.
Nas cadeiras e bancos que desenham a bainha das ruas as pessoas estão alegres e atentas. Os que saltam entre as tasquinhas que salpicam a cidade enchem os copos e criam outras histórias para as músicas que os embalam. Mas ninguém se abstém da energia positiva que o desfile emite.
O telefone toca quase imperceptivelmente e a conversa é quase impossível de manter com tamanha algazarra.
Cá fora, mesmo que a descompasso, a vida continuou, começou e acabou como é seu costume. E, por entre uma quadra cantada e dançada, lembra que o desfile verdadeiro é tão ou mais curto quanto a coreografia durar. E a pauta que o verdadeiro maestro segue não é escrita por nós. A menos que lhe encomendemos um final a meio do caminho, antes da filarmónica chegar à Praça Velha.
Saio de dentro do quadro e vejo a ilha toda de uma só vez. A música e os cantares ficaram lá longe, como uma banda-sonora que só se ouve quando se cala. Os marchantes ficaram pequeninos, num presépio de dar à corda. E o tempo abrandou, forçando os ponteiros do carro alegórico a parar em hora incerta.
É tempo de São João e a ilha está em festa. As gentes apertam-se, os vestidos ajeitam-se, a filarmónica desfila e... a marcha continua!
Liliana Lima