É sempre mais fácil entender os nossos, os que nos são e os que por via dos acasos acabam por ser. É menos complicado aceitar as imperfeições de um quadro pintado com as nossas tintas, em que reconhecemos aqui e ali os tons com que nós próprios nos vestimos.
É sempre mais fácil recomeçar com os relógios de cada um. Reprogramar o tempo e iniciar do zero a cada dia, sem a soma negativa das horas do dia anterior. É menos complicado desculpar os que vimos crescer, ou até nascer, ou que connosco construíram algo.
É como se a ligação que tecemos com os nossos, de certa forma, nos tornasse cúmplices de pensamentos, palavras, actos e omissões, a que assistimos com maior benevolência do que teríamos para com os de outrem.
Não é muito complicado. Na verdade até me parece algo primário, como que primitivo, na medida em que a defesa de cada grupo se baseia num sentimento de comunhão e empatia que se estabelece entre os membros da tribo. Criando uma espécie de aura, visível apenas entre pares, que limpa ou ajuda a amenizar sentimentos mais complexos, que podem criar fendas e pôr em risco a coesão do grupo, seja de que natureza for.
Quando deixamos de viver em tribos (partindo da definição mais clássica) e nos misturamos entre multidões e criamos laços cruzados e estendemos pontes entre grupos à partida tão improváveis, vemo-nos obrigados criar e gerir relações que desafiam o reconhecimento de próprio.
Temos então que (re)inventar formas de nos identificar em outros que, por via dos acasos, passaram a ser nossos, e nas suas telas encontrar um mínimo denominador comum entre as cores deles e as nossas.
Temos então que permitir que, a meio da viagem, nasçam relações baseadas noutras premissas que ultrapassem os laços iniciais, onde tudo era o verbo, e assentem em ligações temporalmente mais curtas ou sentimentalmente menos óbvias.
É sempre mais fácil acolher os que naturalmente nos são, mas que descolorido seria o mundo se não nos uníssemos e passássemos, uns e outros, a nós.
Liliana Lima