quarta-feira, janeiro 04, 2023

LIMA / limão

Quando era pequena não gostava do meu nome, preferia ter sido baptizada de Ana Maria (vá-se lá saber porquê). Liliana não era comum e rimava com banana, brincadeira abundantemente usada e abusada pelos meus colegas da escola primária. Mas a fruta não ficava por aqui, Lima era conjugado com Limão o que, depois de misturado em salada, dava “Liliana banana Lima limão”. Na altura, como era de esperar, a brincadeira deixava-me deveras zangada. Hoje em dia, muitos anos e rimas depois, até acho graça.

Quando comprei a minha casa, olhando para o meu terraço a estrear, uma das primeiras buscas que fiz foi para saber qual seria a árvore de fruto que melhor se dá em vaso. Vim a saber que, não era a Bananeira nem a Limeira, a árvore de fruto mais aconselhada para ter num vaso (não num vasinho, num senhor vaso claro está!) é mesmo o Limoeiro. E daqui renasceu a lenga-lenga “Lima/Limão”, que me levou, já longe das zangas infantis, a um jogo do gato e do rato em busca dum Limoeiro para o meu terraço.

A descoberta foi sendo comprovada por vários artigos em que fui tropeçando. Estava, portanto, aceite e assumida a decisão que nem parecia difícil de executar. Bastaria ir a um Horto, escolher entre os vários exemplares, comprar um vaso compatível e instalar o meu Limoeiro, que cresceria com facilidade, e sem grandes cuidados especiais, e mais ano menos ano me daria um suculento e amarelinho limão.

Pois, só que não… Logo na primeira paragem, num Horto de renome em Lisboa, foi-me dito que a venda de Limoeiros está proibida devido a uma praga... Uma praga?! Como assim, proibida?!... Em todo o país?!... E ninguém ouviu falar nisso?!... Tanta árvore ali exposta, à escolha e à mão de semear e o meu limão era renegado para uma data nublosa passível de nem acontecer nos tempos mais próximos...

O embate foi grande, mas não desisti, até porque os frutos que me apresentavam como substituto eram os maracujás que detesto, nem posso com o cheiro, os diospiros que só eu é que gosto na família, ou as ameixas que não me inspiram nem um bocadinho. Por isso a minha demanda manteve-se viva e a procura continuou.

Convenci-me, sem nenhuma prova científica ou sequer empírica para o comprovar, de que fora da cidade a vida é mais saudável e a realidade é outra. Ora nas terras aqui à volta o que mais há são Hortos e Lojas Agrícolas, e tinha certeza de que as pragas ou lá o que fosse não chegavam ao ar puro da zona saloia, ou como agora se diz “ao Oeste”.

As buscas na net foram várias e todas em vão. A primeira tentativa merecedora de tal classificação foi numa olaria que também tinha plantas (mas não tinha, nem sabia nada de limões). Valeu a viagem por um vaso alto e esguio com três recortes redondos a que as suculentas vindas de Massamá passaram a chamar casa e a terra necessária para as aconchegar. Várias outras olarias fizeram parte do meu circuito em busca da árvore perdida, a maioria recheadas de andorinhas para pendurar no alpendre, jarros, pratos e travessas coloridos (e até em forma de limão) mais ou menos necessários mas muitos adoptados e trazidos para a nova e antiga casas.

Um dia, bem fresquinho, fomos à procura de vasos para as Hortenses que foram as primeiras a chegar, para o Aloe Vera que foi a segunda aquisição e que quase definhou nos primeiros dias de Verão por estar no meio do terraço à chapa do Sol, e para uma trepadeira que ainda havia de ser escolhida de acordo com as cores, feitio e qualidades que me inspirassem. E também ali, entre a Ericeira e Mafra, numa loja de estrada com um grande cartaz que prometia as melhores escolhas ao melhor preço, o Limoeiro mantinha-se proscrito devido à tal praga que se estava a tentar conter. Mas, para meu grande espanto e estranheza generalizada, a dita árvore podia ser comprarda desde que directamente a um produtor.

Um produtor… Onde raio ia eu encontrar um produtor de Limoeiros?!... Eu que não sei nada de árvores ou da sua “produção”. Eu que nasci alfacinha mas para quem as alfaces sempre saíram duma prateleira refrigerada dum qualquer supermercado da urbe. Eu que só queria um Limoeiro para mandar fazer um azulejo para a minha casita saloia do Oeste, onde se lesse: “Casa Lima/Limão”. Eu que nem sabia onde se procura um “produtor” de Limoeiros…

Com a aproximação do Natal e das compras e prendas respectivas, a minha busca abrandou de forma natural, mas a vontade de ter um Limoeiro, essa manteve-se. Alguém nos disse que as feiras eram o local certo para encontrar os ditos produtores e eu alegrei-me porque a feira da Ericeira estava mesmo a chegar.

Como disse sou de Lisboa, nascida e criada até há 4 anos atrás. Repito-o talvez na tentativa de justificar a visão cor-de-rosa, algo infantil, do que é a vida fora duma grande cidade. Escapam-me pormenores, que afinal mostram ser tão maiores, para o entendimento da realidade que me circunda… Enfim, falaram-me de feira e eu visualizei as feiras que acontecem mensalmente no Jardim da Parada em Campo de Ourique e, para o caso, no Parque de São Sebastião na Ericeira. Onde se pode encontrar artesanato de todos os tipos, mel e própolis, alguns queijos, pão e bolos, por entre gorros, cachecóis e camisolas. Mas não plantas, ou animais, ou quaisquer seres vivos. Como é óbvio, para todos menos para mim, não era a este tipo de feira que se referiam.

Com as prendas já compradas e o Natal à porta, um acaso leva-nos à feira de Mafra, sem, no entanto, qualquer esperança ou sequer lembrança de que este poderia ser o tipo certo de feira para encontrar um produtor de Limoeiros. O dia estava frio e feio, a chuva prometia cair em breve, fomos às apalpadelas à procura das escolas e do Centro de Saúde e da feira que devia espreitar-nos ao virar da esquina. Estacionámos tarde, alguns dos feirantes levantavam já as bancas outros mantinham a cantilena “são cinco euros os três, ó menina venha ver, são só cinco euros”. E bem no início da dita feira, uma carrinha rodeada de… árvores. Árvores a sério, dentro de uns sacos altos pretos, não plantas em vasos e andorinhas coloridas! Perguntei com pouca esperança e a resposta foi pronta e assertiva “Tenho pois!”, e tinha mesmo. 

O Limoeiro, escolhido pelos seus produtores para o “Senhor Carlos”, teve de ir coberto com um plástico transparente para não espalhar a dita praga, no caso de a ter, e veio connosco com os cuidados de um bebé que sai da maternidade na sua primeira viagem. Chegados a casa, despimos-lhe o vestido, e aconchegámo-lo, já tínhamos a nossa árvore, mas ainda teríamos de esperar que as festas passassem e a chuva acalmasse para o levar, definitivamente, até ao (seu)meu terraço. Os primeiros dias ficou na cozinha em frente à porta da varanda, depois passou para o outro lado do vidro para se habituar ao ambiente externo, e integrado com os gatos e os seus hábitos, sentiu a chuva e viu o ano passar.

Hoje, outro dia frio mas com o céu dum azul radiante, tornámos a encaixá-lo no carro como um bebé que se aconchega no banco de trás e levámo-lo juntamente com um vaso bem dimensionado e a quantidade certa de terra. A cerimónia foi acompanhada pela recepção do Ronaldo, também ele numa nova casa. Enquanto a televisão entrava no terraço pela porta aberta ao fim-de-tarde, segui cada passo aconselhado ao correcto envasamento de árvores, coloquei o Limoeiro debaixo do alpendre mais baixo para não apanhar chuva nem vento e despedi-me com uma recomendação a cada habitante em crescimento.

Saí feliz, com a imagem de uma árvore mais alta que eu e que dá um, quem sabe, dois limões por ano; que vai crescendo ao som da música dos dias; que se espanta com as coisas pequenas que acontecem e dá conta das que nos escapam por entre o olhar; que nos conhece a todos e até pisca o olho aos gatos; que nos acompanha nos almoços solarengos e nos espreita nos lanches chuvosos e sorri… com um sorriso de Lima/Limão!

Liliana