Vivemos numa gaveta cada vez mais delimitada. Reservada. Supostamente aberta mas a cada dia mais fechada. Apertada.
Lá dentro, a sós, a música toca sempre certa no rádio que canta tudo o que não vivemos enquanto avisa que a cidade, adormecida, está pronta para nós.
Cá fora, fora do tempo e da música e da gaveta, com a cidade acordada, trocamos palavras invisíveis sobre sentimentos amordaçados. Cada vez mais limitados às paredes desta gaveta feita cama.
Cá dentro, nesta cama-gaveta cumpre-se a coreografia perfeita, de tantas vezes dançada. O ar é quente e os corpos dão-se sem pudores ou receios.
Mas sempre que pela fresta aberta entra a luz lá de fora, todo o espaço se preenche com os fantasmas e as feridas e os receios que tingem os silêncios, cortam as horas e consomem o ar.
Estamos numa gaveta cada vez mais delimitada. Eu finjo que não sinto. Tu finges que não sabes.
Liliana Lima