domingo, outubro 25, 2015

pa.Lavra

Terão as sombras que afundar o céu para nascer a narrativa?
Terá a lua que se apagar na noite para acontecer a palavra?
Terá o Tejo que revoltar as águas para desenhar as letras?
Terá o peito que se rasgar e a razão que se toldar para se iluminar o poema?

Procuro a urgência de escrever como quem procura a aurora. As palavras têm o dom de me salvar, de me manter à tona, de me embalar os sonhos. Agarro o colete salva-vidas na curva de cada letra que desenho neste caderno branco. E encontro a tranquilidade deitada em cada história que me pede para ser escrita.

Porque me foge o pé nas noites em que suspiro em paz? Será verdade o lugar-comum que é o coração em sangue que alimenta a pena?

Temo o corredor escuro que atravesso para me encontrar com a narrativa, e assusta-me esta tendência para me reconhecer no lado mais negro do espelho.

No entanto, esta é a casa em que me sei em casa. 

São poucos os dias de sol em que as rotinas se quebram como a capa gelada do lago dos cisnes no início do inverno. Parece sempre mais fácil, tão mais óbvio chamar a mim a caneta nas madrugadas brancas que dançam o tango com os medos e se sentam à mesa com a solidão.

A minha escrita nasceu atrás das máscaras que criei para enganar o tempo e os fantasmas que dele nasceram. É nela que encontro o equilíbrio a cada virar de proa. E é com ela que me visto sempre que me aproximo do precipício. 

Terá a narrativa que nascer para que as sombras não afundem o céu? 
Terá a palavra que acontecer para que a lua não se apague na noite?
Terão as letras que ser desenhadas para que o Tejo não revolte as águas?
Terá o poema que se iluminar para que a razão não se tolde e o peito não se rasgue?

Procuro a aurora como quem procura a urgência de escrever. 

Liliana