terça-feira, maio 27, 2014

Vazio

Há um vazio neste quarto, onde cabe uma imagem de ti. Uma moldura em branco que ocupas aqui e ali e que, quando sais, deixas pousada junto ao estojo das sombras que ficam comigo.

Aprendi a conversar com o teu silêncio que, desde manhã fala comigo. Ao sair do duche com a toalha enrolada na cabeça, ou procurando o vestido que nunca encontro no meio do roupeiro atulhado, tropeço no eco da tua voz e, com ele, finjo preencher o teu lado da cama.

O espelho, retina de tantas imagens, nos dias cinzentos parece reflectir apenas os flaxes dos risos, meus e teus, rodopiando no tecto com o barulho da chuva ao fundo. Olho para as paredes e reconheço-te nas sombras de outras luzes que hoje não brilham.

Procuro o caderno de capa preta, refúgio de tantos invernos, mas as folhas estão em branco, vazias das palavras que fui usando em nós. Palavras coloridas que juntava num verso escrito com lápiz de cor e que te ofereci nos momentos alegres. Palavras pesadas que nunca disse, mas escrevi, para me libertar dos dias escuros. Palavras rebuscadas que trocámos em volta de tantas conversas filosóficas.

Há um vazio neste quarto, que ocupas aqui e ali, quando abafas o silêncio e enches as imagens mortas com a vida das palavras, saídas dum caderno de capa preta.

Liliana