segunda-feira, outubro 28, 2013

Poesia

Perdidos num qualquer canto do mundo, longe das agendas e dos afazeres, despreocupados com as urgências da vida, eles encontraram-se frente a frente despidos de receios ou inquietações.

Olharam-se demoradamente, e sem dizer uma palavra perceberam toda a poesia que vive e respira, assim, num qualquer canto do mundo, quando não temos vergonha de tirar as camadas de tinta com que nos pintamos e nos permitimos estar somente com o que somos.

Não ficaram parados nem pendurados no tempo que não tem tempo. Abriram as janelas e deixaram entrar o rio onde, devagar, se entregaram um ao outro com a candura e a simplicidade de quem conhece o pulsar da vida, e sabe que é nos momentos mais simples e verdadeiros que corre a seiva que nos alimenta a alma.

As águas acompanharam os movimentos enquanto as ondas nasciam no meio dos dois corpos, um só, tão longe do mundo e tão perto de si.

Depois do remoinho, a maré parou e todo o chão se transformou num espelho d'água reflectindo tudo o que não precisava ser dito. Por todo o lado um silêncio tranquilo e meigo, marcado apenas pela respiração que devagar voltava ao normal, invadia aquele espaço longe das preocupações e afazeres.

Ao desaguar, o rio acordou os ponteiros do relógio, deixou entrar o barulho dos carros correndo nas ruas e abriu as agendas de cada um. De repente, já não estavam perdidos do mundo nem fora das horas.

Olharam demoradamente um para o outro e, sem dizer uma palavra, despediram-se da poesia vivida naquele canto do mundo.

Ao sair sorriram cúmplicemente com a certeza de quem ainda consegue "inventar o amor com carácter de urgência"(*) e depois deixaram-se perder novamente na corrente dos afazeres, das urgências e das preocupações da vida.


Liliana


 
(*) A Invenção do Amor - Daniel Filipe