Queria
escrever... dizer... contar.... chorar, rir, aplaudir, zangar ou mesmo só
desabafar.... exorcizar os fantasmas. Afastar os medos, delinear um caminho com
início meio e fim e percorrê-lo sem receios de que o passado, não se limitando
a ficar lá atrás, tente sempre sem vergonha envolver-se no agora, no hoje e até
no amanhã....
Queria escrever... dizer... contar.... exorcizar os
fantasmas, saber o que quero e tentar obtê-lo; prometer a mim mesma e realizar;
querer e gozar; aprender a estar e a ser; e conseguir não falar, nem cantar,
a estar e a ouvir apenas o silêncio...
Queria escrever... exorcizar os fantasmas de tal
forma que os supere. Enfrentá-los até que eles murchem; conseguir abafar a sua
cor e suprimir os seus gritos. E então simplesmente viver. Com os medos, as
hesitações, as inseguranças, mas também com certezas, mas também com orgulho,
mas também com força para me amar a mim própria e dar-me ao trabalho de me
olhar, de me acarinhar, de me ver como realmente sou e gostar do que vejo “do
outro lado do espelho”, qual Alice após uma das suas incursões na 5ª
dimensão....
Queria escrever... poder fazê-lo sobre a minha
íntima dimensão sem me perder nela, sem ser apanhada pelas teias que tecem este
labirinto de intensa escuridão... Conseguir ver para além do corredor que
se adivinha, e escrever o que vejo, sem me deixar ferir pelas navalhas, imagino, me estão apontadas... Ter a força de dar o passo em direcção ao abismo e,
sem me magoar com a queda, escrever o que sinto... E logo de seguida saltar
para o desconhecido deste poço sem fundo, escavado no mais profundo do meu ser e,
sem me perder, descrever as suas paredes...
Queria escrever... e fazê-lo sem magoar ninguém.
Conseguir pintar as memórias com tais cores que assombrem os sentidos de quem
poderia ser afectado... Criar tais distracções que me permitam fintar quaisquer
abertas à autocrítica das personagens reais... Inventar novas melodias que
se distingam de todas as músicas jamais ouvidas... E captar de tal modo as
imagens, que nem o mais avançado sistema de projecção as consiga descodificar...
E então sim... escrever, escrever, escrever...
deixar-me levar pelas letras como a bailarina pelas sapatilhas vermelhas...
Envolver-me na melodia das palavras como se uma orquestra ouvisse... Enredar-me
de tal forma no inesperado ritmo das frases que os textos se assemelhem ao
rufar dos tambores africanos...
E nos manuscritos me perder até me encontrar na
magia da criação... E nas palavras me dissolver até me estruturar na elegância
das memórias... E nos textos me desintegrar até me converter, enfim, na mais
simples história duma flor colorida das que vivem apenas um dia...
Mas que palavras escreverei se elas próprias não rimam
com as imagens que quero passar, e que personagens criarei se, no fundo, elas
não passam de metáforas de si próprias, lutando para se libertarem das
mordaças e coletes que lhes amarrei?
Nesta dança à volta do lume, os corpos que se movem
são os meus medos e o ritmos que os envolvem são os dias passados em revista
pelas minhas mãos... As palavras envolvem-me numa espiral de loucura com
vontade própria e as letras fogem-me como grãos de areia procurando o
pôr-do-sol...
Será inevitável este encontro sistemático frente ao espelho?
Porque me persigo sem me dar tempo de me esconder?
De onde vem esta necessidade de me dar... e ser recebida?
Liliana
(07-07-2004)