Sobe a
cortina e acendem-se os focos. No palco a acção desenrola-se entre o
programado e os pequenos imprevistos, que tantas vezes alteram o
decorrer do esperado, conhecido e até ensaiado. Lá ao fundo, num canto
escondido, uma fagulha brilha ainda quente da fogueira que a acendeu.
Não se vê, não entra na cena, não se ouve, nem tem deixas onde entrar.
Está ali simplesmente, lembrando a fogueira que, outrora, ali ardeu. A
cortina desce e as luzes apagam da memória quaisquer rasgos de outros
actos.
Sobe
a cortina e com ela o sol que se levanta por detrás das árvores e das
pontes e das casas e dos homens que dormem ainda na quietude das noites
de verão. A acção desdobra-se em vários palcos que se espalham um pouco
por toda a linha do horizonte. Não há harmonia entre as cenas que se
sucedem num remoinho de diálogos e se cruzam e desdizem entre si. Os
personagens vagueiam entre sentimentos e responsabilidades, entre culpas
e lembranças, entre desejos e amarguras, num equilíbrio coxo. Desce a
cortina enquanto os bailarinos se apoiam nas palavras que pairam ainda
no ar matinal.
Sobe
a cortina e a lua, uma enorme e redonda lanterna recortada no céu
escuro da noite, inunda toda a acção num amarelo baço que romantiza os
diálogos e acorda os sonhos. Uma sombra disforme atravessa o campo de
visão. Passa por cada personagem como um sopro vindo de outras peças, de
outras noites e fala-lhes de medos antigos, ou talvez de sonhos
esquecidos, ou talvez de amores perdidos, ou apenas de sombras do
vento no calor da noite. Enquanto não desce a cortina, a sombra
mantém-se no centro da acção, inibindo as conversas, forçando os
movimentos, consumindo toda a atenção como um grande buraco negro.
Sobe
a cortina e o arco-íris reluz de um lado ao outro do palco. Os
sonhos dançam livres e, no ar, uma leve brisa marinha embala os sentidos
numa valsa "a mille temps". Borboletas passam em bandos colorindo o
cenário, e as nuvens desfazem-se em pequenas bolas de sabão ao mais
pequeno toque. Ninguém aparece em cena. Todos os personagens parecem ter adormecido num sonho de encantar e o tempo,
controlado por um pequeno relógio de bolso deixado ao acaso no chão, segue
alegre ao ritmo acelerado da orquestra. A cortina começa a descer, mas
os espectadores agarram as cordas e sobem ao palco onde se instalam,
confortavelmente, no primeiro tufo de relva vago que encontram.
A acção
começa onde onde a história devia acabar.
Liliana
13-Ago-2009
"Vêm de dentro repelidos
Conforme o seu destino a sua cor varia
pois escolhem a base de acordo com
a luz que o rosto cria
À frente da cortina enfrentam
o vazio que lhes dava guarida
Em sepulcros abrigam
as faces atingidas
No palco deambulam como num
tempo estreito entre duas crateras
a que na sua frente lhes recolhe os soluços
e o nada donde vieram"
"Os actores" de Gastão Cruz
in "As Leis do Caos"