domingo, dezembro 30, 2012

À minha prima...

Hoje quando cheguei ao teu lado vi-nos com os papeis trocados. Ontem (há tantos anos) deste-me a mão, ajudaste-me sem me julgar, mostraste-me caminhos que não via e deixaste-me toda a liberdade de decisão.

Hoje quando cheguei ao teu lado vi-te frágil e assustada atrás da tua carapaça de certeza e tranquilidade. Lembrei-me de outros dias, há tantos anos, e quis pegar em ti e proteger-te como um bebé, afastar-te dos problemas, tirar-te o peso das decisões.

Hoje quando cheguei ao teu lado percebi que, de todos os lugares do mundo, era ali mesmo que tinha de estar, ao teu lado, em silêncio apenas para saberes que ali estava, para me sentires e te apoiares, caso necessitasses.

Hoje, quando cheguei ao teu lado estendi-te a mão e assim que nos tocámos uma série de flaxes das nossas vidas passou como que projectada na parede ocre da sala. As nossas brincadeiras, as nossas zangas, as nossas paixonetas partilhadas e comentadas, o nosso crescer, o inevitável afastamento do tempo adulto.

Hoje, quando cheguei ao teu lado dei-te a mão com o mesmo carinho e sentido de protecção com que ontem (há tantos anos) o fizeste. Doeu-me a divisão da loiça, dos electrodomésticos, a roupa nos sacos, os livros nos caixotes, as crianças a correr pela casa que foi ficando quase despida, e os teus olhos a deixarem passar a mágoa atrás da carapaça.

Hoje, quando cheguei ao teu lado apenas para entregar os Legos dos miúdos, decidi não te deixar sozinha. Chegámos ao novo destino e um mar de caixotes espalhados um pouco por todo o lado, as camas despidas de lençóis e os candeeiros sem lâmpadas, esperavam-nos com um dia que já se despedia lá ao fundo no Tejo e os miúdos com sono e fome.

Hoje, quando te deixei, e apesar de te ter dito para ficares sozinha uns dias, trouxe comigo um coração apertado e um nó na garganta. Uma vontade de te fazer de novo menina, pegar em ti e dizer que a brincadeira acabou e tudo está bem, chegarmos a casa e deitar-te na cama com a certeza que amanhã tudo estaria limpo como o céu de Agosto.

Hoje, aqui sentada, lembro-me de nós as duas a discutirmos sobre qual o primo mais giro e de como tudo parecia tão fácil quando brincávamos, era só montar e desmontar.

Hoje, é a tua passagem de ano (afinal todos os dias passa um ano de alguma coisa), é o teu recomeçar sabendo que neste jogo os finais são sempre imprevisíveis, mas deixam sempre alguma coisa boa.

Liliana