sábado, julho 28, 2012

Sabes o que é First flush, Chico?!...

Apanho as folhas frescas pela madrugada, enquanto a minha pele ainda te retém. Tiro-as uma-a-uma com muito cuidado, para que a humidade da noite não se esfume no amanhecer. Sinto-te ainda enquanto a água as envolve no fundo da chávena.

Torno-me real, a cada vez que os teu dedos tocam a minha pele e reflicto-me na luz da lua, abafada no violeta dos cortinados que dá ao quarto uma cor acetinada.

Ao fundo uma torneira chora devagar. D e v a g a r.

Mexo ligeiramente as folhas para as ajudar a aceitar o calor da água. Fecho os olhos e revejo-me nos braços onde me perco, na pulsação em que me embalo, no corpo com me misturo.

A torneira e o seu choro procuram seguir a respiração do quarto, que aumenta de ritmo enquanto o aroma do chá invade a cama e os lençóis e as paredes e os cortinados e o luar e os nossos corpos que se entregam sem medo.
Já não há pingos, nem leitos calmos. Um rio revolto parte da nascente em busca da fóz onde, por fim, desagua nas areias salgadas que me envolvem em ti e te confundem comigo, no nosso mar mais íntimo.

Ao fundo, as lágrimas da torneira caem cada vez mais espaçadas, até que se apagam na noite. O luar sorri, "o mundo compreende, e o dia amanhece em paz".

No silêncio da manhã a água desabrocha o sabor e o cheiro e a cor do chá, que me espera na chávena, tranquilo.

Liliana



"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz"
Valsinha - Chico Buarque