quinta-feira, novembro 17, 2011

Pedras ao Tejo...

Hoje ofereci a minha colecção de pedras ao Tejo. Meti as mãos nos bolsos e tirei pedras pequenas e redondas, seixos com as arestas amaciadas pela chuva dos dias cinzentos, pedras lascadas e ponteagudas caídas de grandes montanhas que subi, pedras brancas pintalgadas de memórias coloridas, pedrinhas pequenas quase grãos de areia que se agarraram a mim em passeios matinais... Todas elas parte desta pesada colecção que, uma a uma, ofereci ao rio.

Hoje ofereci a minha colecção de pedras ao Tejo que, alegre, as recebeu num ondular manso onde o Sol brincava às escondidas com a cidade. Depois de esvaziar os bolsos procurei os pedregulhos, há tanto tempo comigo que já faziam parte do meu corpo. Soltei-os e atirei-os ao Tejo num misto de alívio e angústia, de quem perde um membro fantasma que o acompanhou toldando-lhe as costas e moendo-lhe as pernas.

Fiquei a ver as pedras, uma a uma, mergulhar na água e desenhar um arco no rio que se repetiu até tocar as duas margens num eco infindável que soava no ar "E agora?! E agora?! E agora?!...."

Despedi-me das águas e tentei subir a calçada, mas faltou-me o equilíbrio. Acabei por me sentar ali mesmo, à beira-Tejo. O Sol, espelhado na ondulação, parecia projectar imagens das pedras que soltei. Fiquei muito tempo ali, sentada, olhando os instantâneos da minha vida e tentando responder ao eco num monólogo inundado. Não sei quantas horas passaram, só sei que me apoiei no voo de uma gaivota e senti que era tempo de voltar.

Levantei-me, equilibrei-me e, finalmente, subi a calçada como um bebé que acabou de aprender a andar e se sente capaz de conquistar o mundo. Já ao lado do Palácio, voltei-me para trás, despedi-me do rio e suspirei fundo sem o peso das pedras nos bolsos nem o amargo das memórias no coração. Sorri para mim e voltei a andar.

Uma gaivota soltou um grito que ecoou no céu azul limpo "E agora?!"...

Liliana