terça-feira, junho 07, 2011

Castelos de areia...

Conhecia aquele muro desde que se lembrava de si. Era assim, uma espécie de carapaça que construíra ao longo dos anos, com barro que tirava de si própria de cada vez que a vida lhe pregava uma rasteira.

No princípio eram apenas um sapatos mais fortes, para melhor aguentar o embate com o chão. Depois umas botas para suportar as tempestades. Mais tarde, a construção passou a servir-lhe de armadura, cobrindo o peito contra as agressões do dia-a-dia. A certa altura, todo aquele barro tirado de si própria, foi aumentando até a envolver por completo como uma torre onde, enclausurada, espreitava o mundo através dos dois pequenos orifícios que fizera.

Há que dizer que não era fácil viver dentro duma torre invisível, pesada, desconfortável, inibidora de qualquer aproximação real ao mundo. Mas era a sua "torre de defesa", como lhe chamava. Ali estava segura, não se magoava, não caía, não se molhava com a chuva de inverno, nem se queimava com o sol abrasador das tardes de verão. Sim, estava convencida que aquela era a melhor forma de viver segura e protegida dos males do mundo.

Os outros, os a que a rodeavam e os que com ela se cruzavam e os que lhe chamavam amiga, raramente se apercebiam da torre, não a viam, não a pressentiam e, por isso, não entendiam as suas reacções tantas vezes, à primeira vista, despropositadas. E ela esforçava-se para que assim continuasse, gostava daquele aconchego, tinha medo da proximidade, não confiava no mundo.

A certa altura, a torre começou a ser pesada demais para as suas forças. Custava-lhe sair, conversar e mal conseguia ver o que a rodeava por entre os pequenos buracos. Na verdade, por cada dia que passava menos ela vivia, de tão obcecada pelos seus medos e protecções. Isolou-se dentro da sua torre, feita de barro que tirou de si mesma, e foi criando uma imagem externa que a escondia por detrás das suas paredes. E aquela imagem, pintada na própria torre acabou por mantê-la cada vez mais longe dos outros e de si própria.

Um dia, uma noite... já não sabia bem quando, cruzou-se com ele e, por entre os orifícios da torre, viu um homem, um homem diferente. Os olhos dele pareciam denunciar uma criança dentro do seu corpo adulto. Ela parou e ficou a olhá-lo. Ele parou também e assim que olhou para ela, viu a torre, a maquilhagem, o peso, o esforço... Ela ficou espantada, pensava que ao fim de tantos anos já ninguém a conseguiria ver. Na verdade, embora sentisse um peso estranho, ela própria se tinha esquecido de tudo com que se rodeara.

Ele, com os seus olhos de criança, viu-a e percebeu que, mesmo por baixo da maquilhagem e do barro e da torre e das barreiras, estava apenas uma menina assustada que tudo o que precisava era de alguém que lhe mostrasse como respirar e viver.

Passaram muitos sóis e muitas luas, as chuvas passaram a sol e eles foram-se conhecendo. A criança dos olhos dele foi acordando a menina dentro dela, foi-lhe dando confiança, ensinou-a a andar como a um bebé, deu-lhe a mão e mostrou-lhe um mundo leve, colorido, alegre e, aos poucos... quase sem se aperceber, ela foi limpando as tintas, partindo o barro, saindo da torre, tirando as botas... e aprendendo a viver!


Liliana