terça-feira, junho 14, 2011

Bora lá ser livres, Fernando...

E se, assim, sem mais, pudéssemos voar por sobre os oceanos sem marés nem ventos a respeitar?
Se amanhã, ao acordar, nos déssemos conta, eu e tu, que podíamos virar por onde nos apetecesse apesar dos sinais vermelhos ou dos sentidos proibidos?
Ah! Se cada um de nós pudesse, realmente, experimentar a liberdade de ser, por um só dia...
De que serviriam as convenções os pré-conceitos ou as devoções num movimento impulsivo, num gesto sentido, em vez de reflectido?

E se, assim, sem mais, me fosse permitido por uma hora olhar-me ao espelho sem o reflexo de todos os outros por trás?
Se amanhã, ao acordar, me levantasse e me visse inteira, real e verdadeira?
Ah! Se ao teu lado me permitisse avançar sem a pressão da atmosfera que comprime e aborta os movimentos?
De que serviriam as palavras num tempo de sentimentos e sensações?


Liliana





"Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
...Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca..."




Fernando Pessoa