quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Estou perdida na areia, João...


Voo num voar tão baixo como me é possível. Voo rasteira ao chão, à areia da praia, ao mar que rebenta em pequenas ondas. Voo para não me perder. Voo em círculos sem conhecer a rota. Voo para não me deixar ver, sem me querer intrometer numa praia que não sei minha. E voo, sem eira nem beira, apenas para continuar, apenas para não me deixar parar.

Deito-me na areia molhada, húmida ainda, de um mar aparentemente tão afastado que chego a duvidar se algum dia aqui chegou. Deito-me na areia e fixo o sol, também ele deitado no mar, deixando-se embalar. Deito-me para não me perder, para não avançar por onde me posso magoar. E deito-me na areia para descansar dum voo que acabou de começar.

Fecho os olhos para ouvir melhor o mar, que se afasta, que me foge por entre as lembranças que vejo marcadas na areia. Fecho os olhos, perdida, cheia de medo de me afogar numa onda que eu própria(?) criei e que não vejo à praia chegar.

Deixo-me levar pelo vento, pelo mar, pela areia e voo, num voar interno. Já não me perco. Já não tenho medo. Já não vejo a maré alta. Voo dentro mim e vou para onde quiser. Voo sem me levantar, voo de olhos fechados, voo a sonhar, perdida na areia...

Liliana





"Anoiteceu
no meu olhar de feiticeira,
de estrela do mar, de céu, de lua cheia,
de garça perdida na areia.

Anoiteceu no meu olhar,
perdi as penas, não posso voar,
deixei filhos e ninhos,
cuidados, carinhos, no mar...

Só sei voar dentro de mim
neste sonho de abraçar
o céu sem fim, o mar, a terra inteira!
E trago o mar dentro de mim,
com o céu vivo a sonhar e vou sonhar até ao fim,
até não mais acordar...

E então, voltarei a cruzar este céu e este mar,
voarei, voarei sem parar á volta da terra inteira!
Ninhos faria de lua cheia e depois,
dormiria na areia..."

"Graça Perdida" de João Mendonça
Interpretado por Dulce Pontes