domingo, fevereiro 21, 2010

Estás preso a alguém, Ricardo?!

- Habituamo-nos às pessoas, prendemo-nos... e é no que dá. Disse-me ele, com olhos tristes.

- Mas afinal o que aconteceu? Perguntei-lhe perdida entre conversas.

- Nada de anormal, o que acontece sempre. Não é possível acontecer de outra forma, aliás. De uma maneira ou de outra é sempre assim. 
Já te disse, habituamo-nos às pessoas, prendemo-nos e é no que dá...

- Mas o que é que dá?

- O que dá? Mas isso pergunta-se? Não é óbvio? Ficamos presos, presos às pessoas, sabes? E depois, claro, acabamos por ficar sempre, por alguma razão, tristes, vazios, sós...

- Estás a falar de quem, pá?

- De todos e de ninguém! Não há forma de fugir, a única maneira é conseguirmos não nos habituar a ninguém, não nos prendermos a nenhuma pessoa e então, sim! Seremos seres livres e ninguém nos desiludirá!

-... e infelizes e, então sim, verdadeiramente sós! 
Fazes-me lembrar uma mistura de raposa em plena despedida do Principezinho com umas pitadas Ricardo Reis com a sua Lídia à beira-rio... 
Que conversa da treta!
Que outra forma de fazer o caminho há, se não a de nos irmos habituando a quem nos circunda e prendendo àqueles com quem nos identificamos?
Podemos magoar-nos? Podemos magoar os outros? E se nos apetecer estar sós nos dias em que mais precisam de nós? E se ninguém estiver livre no dia em que mais precisávamos de um carinho? E se não estivermos à altura das expectativas dos outros? E se os outros nos desiludirem e defraudarem as nossas expectativas? Pode ser difícil aturar mesmo os de quem mais gostamos? Podemos ser difíceis de aturar até por quem mais gosta de nós? E se deixarmos de gostar deste ou daquele? E se este ou aquele deixar de gostar de nós? 
Blá-blá-blá-blá........

- Estás a gozar comigo!

- Pois estou! Estás-te a pôr mesmo a jeito disso. 
Não vejo o que pode ser pior do que ser barco sem porto de abrigo, sem um cais para atracar. Viajar pelo mundo inteiro sem âncora pode ser tentador "sem amores, nem ódios, nem paixões", mas a certa altura todos precisamos de encostar a cabeça num ombro amigo e sentir o calor de outra mão. E isso só é possível a quem corre o risco de se habituar e prender a alguém.
Mas prendermo-nos a alguém também não é agrilhoarmo-nos a uma pessoa para toda a eternidade. Prendermo-nos a alguém é estabelecer laços que nos unem a outro, por muito afastados que estejamos, por muito silenciosos que sejamos. Laços que se fazem a partir de cumplicidades quase imperceptíveis no dia-a-dia, mas que nos dão a certeza de que estamos, realmente ligados, ou presos como tu dizes...

- Até que um dia esse outro desaparece, ou trai a nossa confiança e pronto...

- Até que um dia, se esse outro desaparace nós mostramos-lhe que, caso necessite, continuamos ali e se ele não voltar, soltamos suavemente o laço porque entendemos que precisava de voar mais alto, mas deixamos um recado para o caso de, se num qualquer outro dia, lhe apetecer voltar saber como nos reencontrar.
Até que um dia, se esse outro nos desilude, ficamos tristes, zangados e podemos até chorar, mas enquanto cuidamos da ferida percebemos que os laços nos ajudam a perdoar e, mais cedo ou mais tarde, tudo fica esquecido. Porque o facto de estarmos ligados a alguém que também nos perdoa e também nos solta e também nos acolhe, é muito mas muito mais importante, tem muito, mas muito mais força do que a suposta paz de passar pela vida "sem desassossegos grandes".
Pronto, e agora vai ler o Principezinho, que eu estou farta de fazer de raposa e ela explica tudo muito melhor que eu! 
Ah! E deixa aqui as "Odes" ou ainda acabas tão só, triste e carente como ele...

Liliana