Escuta... senta-te ao meu lado e vê somente o passar das águas. Não tenhas pressa. Tenho tanto para dizer...
Sente como a brisa embala os ponteiros que nos fazem correr e apazigua a corrente que nos torna inquietos. Atreve-te, tira os sapatos que não param de dançar, molha os pés na água morna e deixa-te levar pelo calor do sol.
Digo-te devagar "sente como a água nos convida a parar" mas olhas através de mim, não vês os reflexos na água, não ouves a brisa, procuras sem cessar o caminho para a outra margem.
Escuta... senta-te ao meu lado, trago tanto para contar... Se ao menos me ouvisses. Não chegamos à outra margem sem entender a canção do vento, só ele sabe quando chegou o tempo certo para avançar.
"Há um tempo certo para chegar à outra margem"... repetes em círculos, como num remoinho. Não me ouves. Sentas-te mas procuras nas palavras os caminhos certos que são os errados. Molhas os pés, mas não deixas que a água te aqueça.
Escuta... senta-te ao meu lado e vê somente o passar das águas. Ouve o que digo, sem pressa, d e v a g a r . . .
Sente o calor do sol e deixa-te aquecer. O meu tempo sabe parar. Deixa-me conduzir-te pela canção do vento. Não tenhas pressa, não queiras fugir.
Escuta... nesta margem, o tempo convida a parar. Atreve-te, tira os sapatos e molha os pés nas águas mornas da minha margem. Sentes como a brisa embala os ponteiros que nos fazem correr e apazigua a corrente que nos torna inquietos?
Já chegaste. Não procures por mim, estou aqui, sou a água que te molha, a brisa que canta, o sol que te aquece. Trago tanto para contar... Enrola-te, aconchega-te, encontra o teu colo em ti.
Agora, escuta... ouve-te... olha-te... e sente-te... Trazes tanto para te contar!...
Liliana Lima 06/02/2009
"Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço. "
Ricardo Reis - "Vem sentar-te comigo, Lídia"
12/06/1914