sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Vem sentar-te ao meu lado, Ricardo...

Escuta... senta-te ao meu lado e vê somente o passar das águas. Não tenhas pressa. Tenho tanto para dizer...

Sente como a brisa embala os ponteiros que nos fazem correr e apazigua a corrente que nos torna inquietos. Atreve-te, tira os sapatos que não param de dançar, molha os pés na água morna e deixa-te levar pelo calor do sol.

Digo-te devagar "sente como a água nos convida a parar" mas olhas através de mim, não vês os reflexos na água, não ouves a brisa, procuras sem cessar o caminho para a outra margem.

Escuta... senta-te ao meu lado, trago tanto para contar... Se ao menos me ouvisses. Não chegamos à outra margem sem entender a canção do vento, só ele sabe quando chegou o tempo certo para avançar.

"Há um tempo certo para chegar à outra margem"... repetes em círculos, como num remoinho. Não me ouves. Sentas-te mas procuras nas palavras os caminhos certos que são os errados. Molhas os pés, mas não deixas que a água te aqueça.

Escuta... senta-te ao meu lado e vê somente o passar das águas. Ouve o que digo, sem pressa, d e v a g a r . . .

Sente o calor do sol e deixa-te aquecer. O meu tempo sabe parar. Deixa-me conduzir-te pela canção do vento. Não tenhas pressa, não queiras fugir.

Escuta... nesta margem, o tempo convida a parar. Atreve-te, tira os sapatos e molha os pés nas águas mornas da minha margem. Sentes como a brisa embala os ponteiros que nos fazem correr e apazigua a corrente que nos torna inquietos?

Já chegaste. Não procures por mim, estou aqui, sou a água que te molha, a brisa que canta, o sol que te aquece. Trago tanto para contar... Enrola-te, aconchega-te, encontra o teu colo em ti.

Agora, escuta... ouve-te... olha-te... e sente-te... Trazes tanto para te contar!...


Liliana Lima 06/02/2009


"Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)



Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.


Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

E sem desassossegos grandes.



Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

E sempre iria ter ao mar.


Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,

Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.



Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

No colo, e que o seu perfume suavize o momento —

Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,

Pagãos inocentes da decadência.



Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois

Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

Nem fomos mais do que crianças.


E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço. "


Ricardo Reis - "Vem sentar-te comigo, Lídia"

12/06/1914