sexta-feira, dezembro 04, 2009

Vamos falar de amor, Pedro?!

- Estraguei tudo! Perdi a oportunidade... Pronto, acabou-se! Sou tão ridícula...

Disse-me ela desolada enquanto se derramava no sofá como uma manta estendida ao sol sobre o chão de relva ondulado. Tentei argumentar, "ridículos somos todos, lembras-te do Fernando Pessoa?!", "não há oportunidades perdidas", "vê as coisas como caminhos onde só vamos aprendendo onde pôr os pés conforme avançamos"... Tentei argumentar mas ela nadava em círculos dentro de si, fazendo pouco caso das interferências externas ao seu pensamento.

- Não, estraguei tudo! Essa é que essa. Oportunidades como esta são mínimas e eu faço sempre figuras tristes... Parece que me fecho numa caixa e só deixo de fora um outro personagem que não sou eu... Engasgo-me, digo disparates e sou tudo menos eu própria...

Derramada sobre o sofá remoía as cenas, recuando a película da memória vezes sem conta, arrependendo-se de cada palavra dita e de cada sorriso não dado. Era claro para ela que não havia nada a fazer, o comboio partira e a oportunidade tinha sido desperdiçada pela sua incapacidade de reagir de forma não ridícula... Nadava em círculos nas águas viciadas do rio das suas expectativas.

Como o sol que acorda manhã após manhã convidando a lua a mudar de quarto, assim as oportunidades se seguem, mais ou menos ritmadas, mais ou menos de acordo com os nossos desejos e, de forma mais ou menos inesperada, surpreendem-nos ao virar a esquina de uma qualquer hesitação.

Numa monótona tarde de chuva, entrou num repente pela sala, atirou-se para o sofá como manta estendida ao sol e descreveu-me as suas desventuras... a forma desastrada como o seu corpo se comportara, a quantidade de vezes em que gaguejara no meio duma frase banal, a cor exagerada com que as suas bochechas respondiam aos olhos que com os dela pareciam conversar, a consciência da sua figura ridícula que a invadira desde o primeiro minuto...

- Estraguei tudo! Desta é que foi!

Não tentei argumentar... Antes ouvi-a atenta e dei-lhe o colo que me pedia. Derramada sobre o sofá, nadava em círculos dentro de si, enquanto eu, sentada na margem das águas, sorria para dentro na certeza de que o sol, amanhã, se tornará a levantar convidando a lua a mudar de quarto...

Liliana Lima




"Ó vizinho, ora bom dia
como vai a saudinha?
eu não sei falar de amor...

Ó vizinho e este tempo?
a chuva dá pouco alento...
e eu não sei falar de amor...

Ó vizinho e o carteiro?
que se engana no correio...
e eu não sei falar de amor...

E soubesse eu artifícios
de falar sem o dizer
não ia ser tão difícil
revelar-te o meu querer...

A timidez ata-me a pedras
e afunda-me no rio
quanto mais o amor medra
mais se afoga o desvario...

E retrai-se o atrevimento
a pequenas bolhas de ar
e o querer deste meu corpo
vai sempre parar ao mar

Ó vizinho e a novela?
será que ele ficou com ela?
e eu não sei falar de amor...

Ó vizinho e o respeito?
não se leva nada a peito...
e eu não sei falar de amor...

Ó vizinho então Adeus
vou cuidar de sonhos meus
que eu não sei falar de amor..."

"Não sei falar de amor" de Pedro da Silva Martins
(dos Deolinda)