sexta-feira, dezembro 11, 2009

Vem ver a neve no meu jardim, Al Berto...

Ontem nevou no meu jardim.
Nevou uma neve feita de folhas secas que cobriram o chão e os carros e os escorregas e os jardins, sem deixar nada do lado de fora do manto amarelo escuro.

Ontem nevou no meu jardim.
Até o coreto se vestiu de folhas para dançar ao ritmo do vento que abanou os ramos que soltaram as folhas que voaram até ao lago que enfeitou os peixes.

Ontem nevou no meu jardim.
E as crianças divertiram-se saltitando entre os montes amarelos que um pouco por todo o lado se construíram e desmoronarem num frenesim de risos e saltos.

Ontem nevou no meu jardim.
Das janelas vi chegar a noite que acalmou o vento e deixou assentar as folhas-flocos de neve bordando um tapete amarelo sob a paz das janelas apagadas.

Ontem nevou no meu jardim.
Uma neve que não faz bonecos mas que alegrou a criançada e acordou uma memória nostálgica, e talvez apenas sonhada, de outros invernos com paisagens diferentes e natais enfeitados de um branco que, na verdade, nunca nevou nos meus muitos jardins.

Ontem nevou no meu jardim e a neve amarela pernoitou comigo num sonho de inverno, guardado pelos olhos meigos da lua.

Liliana



"pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes"

"Pernoitas em Mim " de Al Berto,
in 'Rumor dos Fogos'