quinta-feira, outubro 29, 2009

Também já foste uma estrela, Maria?

Quando eu era uma estrela, brilhava para um público carinhoso, que atentamente me via abrir as portas do palco de par em par e entrar na sala iluminada pelas enormes janelas que convidavam o Tejo e inundavam toda actuação com um brilho azulado.

Quando eu era uma estrela, cantava sem medo perante os fãs que nunca faltavam aos concertos dos fim de tarde de inverno, banhados pelo burburinho da chuva que batia nas janelas e ecoava pela sala como uma enorme ovação.

Quando eu era uma estrela, dançava confiante os ritmos que o gira-discos soltava enquanto na sala, com lotação esgotada, os sorrisos de aprovação antecediam as palmas do final do espectáculo.

Quando eu era uma estrela sentia-me capaz de chegar à lua às costas dos sorrisos do meu bisavô. Terno, atento e paciente, largava a bengala e dava-me a mão à saída da cozinha. Os meus passos ansiosos e apressados tropeçavam na sua quase completa cegueira até chegarmos ao sofá da sala onde se sentava e aguardava o início do espectáculo, aplaudindo sempre "danças tão bem filha!", acarinhando sempre "Gosto muito desta canção!", incentivando sempre "Que teatro tão bonito!"...

Hoje não sou uma estrela, sou "apenas" uma contadora que, no meio de tanta gente, se apaga para deixar brilhar as palavras, na esperança que tropecem sempre que se cruzem com qualquer tipo de cegueira e que tenham força para iluminar todos os sorrisos pelo caminho.

Hoje não sou uma estrela, mas cada vez que sei a minha voz ecoar, no meio de tanta gente, em forma de contos que se espalham e se multiplicam noutras histórias que desconheço, sinto o o olhar quase cego do meu bisavô fazendo-me chegar à lua às costas do seu sorriso.

Liliana






"Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra
Ou um grito
Que nasce em qualquer lugar

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito
Ou sou uma pedra
De um lugar onde não estou

Às vezes sou também
O tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou um grito
De um amor por acontecer

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d'aquilo que sou"

"Silêncio e tanta gente" de Maria Guinot
(Obrigada ao K. que ontem me levou até ao meu bizavô!)