Alimento-me dos olhares alheios. Não de qualquer olhar, mas daqueles que me devolvem paz e alegria quando, com o meu olhar, se cruzam. É com essa paz e alegria que protejo os castelos de areia que construo à beira-mar. E de cada vez que os vejo cair à força das ondas, afasto-me um pouco, sento-me mais acima e recomeço uma nova construção.
Às vezes tenho o privilégio de estar rodeada de gente bonita, que se passeia sorrindo no mesmo cumprimento de onda que eu. Nessas alturas, a energia que recebo é tão positiva que os castelos ganham asas e, sem aviso prévio, vejo-os erguer-se no céu azul como balões que voam para longe, até passarem a linha do horizonte.
Às vezes o olhar é acompanhado de uma palavra. Então, vejo nascer no meio do castelo, verdadeiros moinhos de vento, contra os quais o mar nada pode. Por entre algas e conchas partidas, as suas rodas giram com o vento e espalham no ar um sem número de cores saltitantes, que brincam nas ondas até formarem um arco sobre as águas.
Alimento-me dos olhares alheios, mas também dos sorrisos e das palavras que conseguem sobrepor-se ao barulho do mar e me sussurram ao ouvido velhas cantigas de embalar, como borboletas nas tardes de primavera ou pirilampos nas noites de verão.
Os castelos que derretem e se espalham no mar, não se perdem, são areias que viajam com a maré e que um dia, quando menos esperar, encontrarei na roda de num moinho de vento que, acima da rebentação, espalha palavras, sorrisos e olhares a quem lhe der a devida atenção.
Liliana Lima
"Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio..."
"Canção" de Cecília Meireles, in "Viagem"