A verdade é que me sinto bem aqui, olhando o mundo lá em baixo que corre atrás de outros sonhos, gira em torno de outro sol, procura a luz de outras manhãs.
Aqui do alto do meu pedestal, que vou construindo com os sorrisos em que tropeço, o horizonte está nítido e o caminho claro como o céu nas manhãs de Julho. Na verdade, agora que olho com calma, percebo que é só seguir o instinto, fazer os desvios que me pareçam essenciais e nunca ter medo de voltar atrás sempre que me sinta perdida.
A verdade é que me sinto bem aqui. Tão bem que não me apetece apressar o passo para seguir e frente. Peço licença ao tempo, encosto-me, e deixo-me saborear a maresia. O meu sopro há-de encher as velas da barca onde me sinto em casa. O meu rio há-de correr até desaguar na foz da minha utopia. O meu horizonte há-de reflectir a verdade do que se pode, por fim, transformar em real. A verdade é que me sinto bem aqui, a confiança de não saber como será o como mas conhecer profundamente o porquê, devolve-me esta vista magistral sobre um mundo de escolhas e opções que sei não serem minhas. As minhas onde estão? Essas hão-de vir com a chuva de Março ou o sol de Inverno. Hão-de vir, instintivamente, ao ritmo de uma música que toca, só para mim, no abrigo de um búzio perdido na areia. Hão-de vir sempre e de cada vez que me sentir alinhada com as estrelas cadentes nas noites quentes de verão. Hão-de vir sussurrar-me ao ouvido, atrevidas, quando as procurar do outro lado do espelho.
As minhas escolhas, vêm e hão-de vir sempre que sentir a tranquilidade que sinto hoje aqui, no alto do meu pedestal, enquanto me encosto e me permito saborear a escolha de ficar apenas aqui, no alto do meu pedestal.
Liliana Lima
"Luanda Dondo vão,
cento e tal quilômetros
mangas e cajus
marcos brancos
meninos nus
Branco algodão
crescendo
corpos negros
na cacimba
O Lucala corre
confiante
indiferente à ponte que ignora
Verdes matas
Sangram vermelhas acácias
imbondeiros festejam
o minuto da flor anual
Na estrada
o rebanho alinha
pelo verde
verde capim
Adivinhados
caqui lacraus
de capacete giz
trazem a morte
Meninos
se embalam
em mães velhas
de varizes:
Rios azuis
Rios azuis
da longa estrada
E é fevereiro
sardões ao sol
Cassoalala
Eia Mucoso
tão cheio agora
Adivinhados
permanecem
lacraus caqui
capacetes giz
Não param as colheitas
Que razão seriam
fevereiro
acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o partoda única flor?
Não param as colheitas!"
"Estrada" de Luandino Vieira