A ilha que daqui avisto não se limita às margens que a delimitam. A ilha que daqui avisto não se coíbe em saltar as fronteiras da imaginação. A ilha que daqui avisto é autónoma do pensamento racional.
A ilha que daqui avisto não cabe nos adjectivos que possuo, não a consigo descrever com as palavras que apanho à beira mar enroladas nas conchas que, depois da tempestade, dão à costa em remoinhos de areia.
A ilha que daqui avisto não é sempre nítida, aproxima-se e desfoca-se conforme a lua, que gira no céu e ilumina a noite apesar de todas as nuvens, está mais, ou menos, tranquila.
Há dias em que a ilha que avisto me parece tão longe que a confundo com a de qualquer outro alguém que ao meu lado, por exemplo, brinca com as borboletas que voam sobre a estrada de tijolos amarelos.
Noites há, em que a ilha que avisto daqui, desta janela aberta sobre o mundo das metáforas em forma de arco-íris, apresenta-se-me inteira, iluminada por um foco estrelar que segue o caminho dos sonhos.
Nas manhãs seguintes a essas noites, que timidamente se levantam e ocultam as mágoas que a lua a seu costume aviva, chego à varanda e, por um segundo, podia jurar que estou verdadeiramente na minha ilha até que o olhar esvoaça sobre as águas em busca do voo de uma gaivota e se desengana e me mostra a ilha, que daqui avisto.
É nessa fracção de segundo que inspiro a maresia e sinto o vento fresco que entra pela porta e invade o quarto sem pedir licença. É nessa fracção de segundo, quando as ondas batem nas rochas e se desfazem em espuma branca e novamente em ondas que batem nas rochas... que me sinto inteira, e por momentos deixo de ter medo.
Mas há sempre o olhar que esvoaça em busca de uma gaivota percorrendo o horizonte e me devolve a ilha que daqui avisto...
Liliana Lima
"(...)
51 - Avistam os portugueses a Ilha dos Amores
Cortando vão as naus a larga via
Do mar ingente para a pátria amada,
Desejando prover-se de água fria,
Para a grande viagem prolongada,
Quando juntas, com súbita alegria,
Houveram vista da ilha namorada,
Rompendo pelo céu a mãe formosa
De Menónio, suave e deleitosa.
52 - Conduz Vênus a Ilha ao encontro dos navegantes
De longe a Ilha viram fresca e bela,
Que Vênus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Para onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo enfim podia.
(...)"
in "Os Lusíadas" - Canto IX
de Luís Vaz de Camões