quinta-feira, abril 16, 2009

Vem ver o rio que corre na minha aldeia, Alberto

Descia a Avenida quando te vi, com ar alegre, sorrindo no teu fundo azul. Há tanto tempo que não vou ter contigo e, no entanto, quando te vi ao fundo da Avenida parecias chamar-me, alegre.

Cheguei ao cruzamento e decidi não virar, antes seguir em frente, não fugir de ti e, finalmente, encontrar-me contigo depois de tanto tempo. Os cruzamentos têm destas coisas, levam-nos a tomar as decisões que cómodamente vamos protelando no tempo. Naquele milésimo de segundo somos confrontados com a necessidade de decidir, "viro à direita ou sigo em frente", "faço marcha atrás ou viro à esquerda"... E eu decidi seguir na tua direcção.

Aproximei-me devagar, tentando não deixar a expectativa do reencontro alterar a tranquilidade que me sugerias. As nuvens deixavam o sol espreitar aqui e ali, realçando o teu azul em pequenos reflexos prateados. Sim, é verdade que há muito tempo te evito. Mas é também verdade que, embora ausente, fui-te acompanhando dia-a-dia, de longe, sem intrometer a minha presença. Do alto da Avenida, mantive-me a par dos teus estados de espírto. Da janela do carro, segui atentamente as tuas disposições.

Hoje, em pleno cruzamento, e depois de te ter visto sorrir, decidi seguir a intuição e continuar em frente, até ti. Parei o carro e passeei contigo, como sempre, como antes. Lado a lado, apesar do vento que soprava frio do mar. Conversámos tranquilamente, o Sol espreitava pelas núvens e as tuas àguas refletiam a luz em pequenas ilhas prateadas. As gaivotas, tranquilas também, pareciam mostrar-me que, por muito longe que esteja, tenho-te sempre ao meu lado. E tu, em pequenas ondulações, ora refletindo a minha imagem, ora brilhando com o sol, disseste que, do fundo da Avenida também estiveste presente.

Despedi-me com a tranquilidade de um "até já" e subi a Avenida espreitando-te pelo retrovisor.

Liliana Lima




"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele. "

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos" (Poema XX)