sexta-feira, março 27, 2009

Ajudas-me a segurar o meu castelo, Zeca?

Pego nas cartas espalhadas pela mesa e empilho-as em forma de castelo. Subo e desço as ameias, espreito pelos muros altos e vejo ao fundo o rio que espelha a cidade.

Oiço uma voz que me faz duvidar que existes. Tapo os ouvidos, suspiro e sem querer faço abanar o castelo onde deposito a minha utopia. A minha cidade desafia a alegria quando vista com atenção por dentro e por fora.

Acrescento mais uma carta, apoio-a na crença de que é possível. Uma gaivota voa sobre as águas e rouba o meu pensamento, deixo cair a carta que segurava e desconfio da estrutura que criei à tua volta.

Aproximo-me mais do castelo, olho-te nos olhos e percebo que devo seguir o meu rumo. Uma brisa leve que vem dos lados do oriente recorda-me a utopia em que acento os meus muros e devolve-me ao castelo onde encontro a minha rota, o meu rio, a minha cidade.

Liliana Lima




"Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu
desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?"
Utopia de Zeca Afonso in "Como se fora seu filho" (1983)