quarta-feira, dezembro 03, 2008

Uma Avenida para Mariza...

Desço a avenida e o som dos ferros dos andaimes a bater uns nos outros atordoa-me os sentidos e leva-me a uma insegurança que julgava perdida para o dia de hoje.

Desço a avenida e com o pingar das primeiras gotas de chuva nos vidros das montras, vejo-me reflectida em mil pedaços, em mil lágrimas.

Desço a avenida e todos os barulhos da cidade se distanciam à minha passagem, tornando-se apenas num burburinho de fundo. Como se o respirar da cidade sussurrasse aos meus ouvidos e nele se diluíssem, os carros que passam por cima das poças, os choros das crianças que entram nas escolas, os comboios que avisam que vão partir, o sem número de pessoas que avançam em passo apressado.

Desço a avenida com o sussurrar da cidade nos ouvidos, e no poço dos sentidos descubro o uivar do vento nas janelas de madeira da velha casa de Moimenta, e agarro-me a ele como se um bote salva-vidas se tratasse e perco-me nas ondas do mar que em mim se baloiça.

Desço a avenida e com ela navego na lembrança do soalho que estala aos passos do meu avô, e com ela relembro o desembrulhar dos rebuçados de geleia na cozinha grande e fria que dava para o quintal.

Mas não o quintal com a videira, não os rebuçados reluzentes e pegajosos, não o soalho aos passos do avô…

Desço-me pela avenida e vejo escorrer, com a água da chuva, os mil reflexos que de mim deslizam e desaguam no Tejo…


LL 14-12-2006


"Ando na berma
Tropeço na confusão
Desço a avenida
E toda a cidade estende-me a mão
Sigo na rua, a pé, e a gente passa
Apressada, falando, o rio defronte
Voam gaivotas no horizonte
Só o teu amor é tão real
Só o teu amor…

São montras, ruas
E o trânsito
Não pára ao sinal
São mil pessoas
Atravessando na vida real
Os desenganos, emigrantes, ciganos
Um dia normal,
Como a brisa que sopra do rio
Ao fim da tarde
Em Lisboa afinal

Só o teu amor é tão real
Só o teu amor…

Gente que passa
A quem se rouba o sossego
Gente que engrossa
As filas do desemprego,
São vendedores, polícias, bancas, jornais
Como os barcos que passam tão perto
Tão cheios
Partindo do cais

Só o teu amor é tão real
Só o teu amor…"

Montras – Rui Pedro Campos