Sei que estou aqui, neste corpo. Algures no reflexo deturpado, que me espreita no escuro das manhãs sempre iguais.
Obrigo-me a levantar, vestir, comer... e espero encontrar-me ao canto de uma hora qualquer que desenrola o fio dos dias que passam. Iguais.
Num gesto de coragem, que teimam em traduzir por preguiça, imagino um quadro onde não sou assim, mas igual.
E dentro dessa narrativa, percebo-me parte do todo que me envolve. Vejo-me perto do que todos os dias procuro. Ouço-me com voz própria num solo destemido.
Mas fora do quarto, o espelho dos teus olhos conta-me outras histórias. E faz-me perguntas. Tantas perguntas que gostava de saber responder, a mim mesmo. E que sem explicação ficam solteiras, às voltas em busca da sua verdade enquanto ecoam o peso da minha culpa, que acaba por morrer em profunda solidão.
Deixo que as horas me dêem força para mais uma viagem ao mundo dos outros. Daqueles que, por capricho divino, se reconhecem individualmente e se relacionam entre si naquela paz que, imagino, os beijou à nascença. Mas os meus movimentos são tão delicados e lentos, com medo de me afogar, que não são perceptíveis para eles.
E a cortina desce entre mim e o mundo, num movimento sempre igual.
Chega a noite e o sono, embalado num comprimido dourado que abafa qualquer tentativa de sonho. E por instantes paga-se o medo, por segundos calam-se as dúvidas, anula-se ou exponencia-se o cansaço.
Sei que estou aqui, neste corpo. Do lado de cá do reflexo matinal. Mas...
Lá dentro é tão difícil acordar. Cá fora não me consigo encontrar.
Liliana Lima