Quando recomeçamos a ver cores, depois de muito tempo nas escalas de cinzento, podemos perder o pé no azul brilhante das ondas. Quando recomeçamos a sonhar, depois de muitas noites em branco, é possível que o chão nos pareça impossível de alcançar quando espreitamos do alto da janela.
A interrogação aparece no canto do olhar quando tomamos consciência de que, às vezes, nada é o que parece. A dúvida acorda-nos nas horas soltas em que tudo se mostra calmo e inofensivo.
Depois, depois de ouvirmos as perguntas feitas pelo espelho, não mais tornamos a pegar no pincel com a liberdade da inocência. Ficam connosco o medo e ansiedade de não saber, sequer, se sabemos reconhecer e avaliar a realidade.
Que bom e pacífico e seguro deve ser poder chamar a certeza pelo nome, saber até onde vai a linha do horizonte e nunca perder os pontos cardeais. Olhar para o chão sem nunca duvidar se nos equilibramos em cima de um caminho-de-ferro no meio de terra batida ou de uma corda-bamba entre duas montanhas.
Quando o que de mais profundo sabemos de nós é que nem sempre nos parecemos connosco, tudo o mais é uma estranha e macabra escala de cinzentos.
Quando é que o bom é bom demais?
Onde está a linha que me separa os "normais"?
Qual é a medida máxima de bem-estar aconselhada?
Como sei se nado fora de pé ou chapinho na areia molhada?
Liliana Lima