quarta-feira, outubro 23, 2019

Crónicas duma separação consumada X

Eu sei, que tu te esforças o mais que podes; que tu ainda não consegues entender completamente a realidade que te rodeia; e que na verdade, não sei o que tu sentes ou pensas.

Às vezes chego ao final de um dia e, ao olhar o espelho, assalta-me um sentimento de culpa que invade tudo o que vivi ou senti, pelo simples facto de... o ter sentido e vivido sem ter estado com vocês. 

Ainda há uns dias, acordei bem disposta, cozinhei, arranjei-me, preparei a casa, acolhi os amigos. Senti-me bem. Conversei, ri, cantei, contei e despedi-me. Senti-me bem. Arrumei a cozinha e a sala. Continuei a sentir-me bem. Fui-me despir e desmaquilhar, e quando olhei para o espelho, o pano caiu... em cima de mim. De mim e de um dia inteiro de sol que ficou encoberto pelo peso da culpa e da vergonha, por ter "ousado" ser leve e alegre longe dos meus filhos.

Sabem? Não é difícil dizer "isso é normal, mas tens direito a ser feliz", não é difícil e socialmente é mesmo o discurso vigente. Mas, parar e olhar para mim, para a forma como o espelho me vê e eu me vejo no seu reflexo, e a partir daí aprender a sentir-me mulher. Antes de mãe. Antes de amiga. Antes de amante. Antes de companheira. Isso, meus amores, isso é deveras complicado.

É que, trago no peito esta ideia de que tudo tem de girar em torno de vocês. De que sou mãe e mãe sou. E, portanto, a vida corre em compasso binário, viva - convosco, suspensa - sem vocês. E sempre que me vejo em plena valsa, dançando sem dar conta que fui eu quem pediu a música, num dia, numa semana em que vocês estão longe, parece-me que estou a ser infiel a esse papel quase religioso que parece ser a maternidade.

Não. Não espero, nem quero, que qualquer um de vocês perceba, muito menos responda a estas questões, para as quais, afinal, eu até tenho as respostas dentro de mim (ainda que nem sempre saiam no tempo certo).

Eu sei que te esforças. Que ainda não consegues entender. E que não sei de ti. E é por sabê-lo, que me parece importante que percebam que existe esse outro lado do meu espelho. 

Acredito que é partilhando o que sinto, o que vivo (convosco e sem "vosco"), que vos preparo. Que vos deixo pistas para as vossas vidas. 

Quem sabe um dia ao olhar o espelho o pano cai... e um de vocês se lembra o que não entendeu do tanto que vivemos e, como por magia, ao perceber tudo se torne mais fácil. É que, "atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir"(*)

Com muito amor, 
Mãe




(*) Fausto