quarta-feira, outubro 16, 2019

Crónicas de uma separação consumada IX

Somos todos feitos da mesma matéria. Luz. Dia. Alegria. Noite. Dor. Inquietação. 
Somos todos sentimento em bruto, que a vida há-de moldar.
Somos carentes, de amor, de felicidade, de aceitação. 
Somos iguais, então, tu e eu, e eu e tu, e tu e tu. 
Saberás, tu, o quanto dói, o tanto que fere, a ausência, o silêncio, o afastamento? 

Somos todos sentimento, pela vida moldado, pelo tempo esculpido, pela experiência vivido. 
Não somos iguais, então, eu, tu, tu e tu. 

Cada um tem em si "todos os sonhos do mundo" *. 
Do seu mundo. 
Do filme que, noite após noite, vê espelhado nas costuras do sono. 

Não somos iguais, então, tu e eu. 
É possível que não saibas o quanto. 
Não te apercebas do tanto.
Não consigas interpretar o silêncio.

És um entre biliões, em milhões, em dezenas, em três. 
Ou seja, és único para mim. Como tu. E tu. 
Ou seja, a ausência, nesta equação, ao ser multiplicada por um, é exponenciada ao infinito. 
Ou seja, este sentimento único é "impossivelmente real" *. 

Somos todos feitos da mesma matéria. Luz. Dia. Alegria. Noite. Dor. Inquietação. 
Mais ou menos dobrados pela vida e quebrados à força do tempo. 

Somos todos iguais, na essência. 
E é lá que te procuro. 
E é para lá que olho. 
E é de lá que te digo que, sabendo, só podes não saber.

Com muito amor, 
Mãe 




*"Tabacaria" de Álvaro de Campos