segunda-feira, dezembro 25, 2017

SERra

Lembras-te quando me dizias "Vamos para a Serra, ficamos no Hotel lá no alto, levamos uns bolos, uns sumos e pão. Esperamos que estes dois dias passem e, lá no alto onde há ninguém, respiramos a paz de quebrar as algemas. Vamos?"

Lembras-te? 

E eu; que no alto do monte das ilusões, onde tudo o que via eram fitas farfalhudas e coloridas, e a mesa que se enchia até ao auge da magia, quando os embrulhos apareciam com tudo o que queria e ainda mais; franzia o sobrolho e até me zangava com a tua displicência em relação a momentos tão vivos, tão alegres, tão mágicos. 

Lembras-te?

E tu, sentada no alto das obrigações, onde as horas comandavam toda a acção duma peça sem guião assinado, mas onde cada personagem conhecia de cor a sua deixa e nenhuma ousava sair do compasso, marcado pelo que era porque tinha de ser e sempre assim tinha sido. Vestias o teu papel e sorrias.

Lembras-te? 

Há um ano em que o teatro, agora escrito e controlado por mim, deixa de encontrar palco para se pôr em cena...

Há um dia em que a tradição com cheiro a canela e água ardente, deixa de nascer na cozinha...

Há um ano em que esta procura do embrulho certo que, afinal sempre preferi distribuir pelos outros dias do ano "só porque sim", deixa de ser um prazer e passa a ser raiz de instabilidade e conflito...

Há um ano em que o pinheiro, morto e seco, espalha todas as folhas em forma de agulha pelo chão e as luzes se enrolam e deixam de piscar as lâmpadas coloridas...

Há um ano  em que tudo o que quero é ir para a Serra da Estrela, ficar num qualquer quarto do Hotel, levar um cesto com pão e queijo e bolo rei e, lá no alto onde não há mais ninguém, respirar a paz de quebrar as algemas.

Lembras-te? 

Podes vir. Faço a mala e arranjo a lancheira num minuto. E, enfim, partimos as duas para a Serra, onde não há ninguém. 

Lembras-te, mãe? 

Podes vir.


Liliana Lima