Nos ouvidos dizem-me "why worry.. and all the rest is by the way". É de noite e a paz que não consigo agarradar, espalha-se pelos quartos dos miúdos e espelha-se nas suas respirações. É tão bom conseguir deitar a cabeça na almofada e ir, sem fantasmas, nem medos, nem inquietações.
Arrumo-me na escrivaninha antiga de madeira escura e volto para os tecidos e as agulhas e as linhas coloridas. Sinto um arrepio dentro do corpo, nos ossos, nos músculos. O frio que sinto por dentro consegue tomar conta de todo o quarto.
E mais um gota de chuva que molha o cetim rosa. Largo as agulhas e procuro o calor de alguém que não está.
Visto tão profundamente as personagens que crio, que já ninguém me reconhece.
A lua, indiferente a mim e à chuva que vai manchando os tecidos, diz-me que estou presa à minha máscara. E nos ouvidos "anoiteceu no neu olhar de feiticeira de estrela do mar".
Não consigo ir deitar-me e não me interessa já a bolsa para o livro.
Não, aqui onde estou, não está ninguém e provavelmente ninguém cá chega.
Deixo cair uma pinga de chuva na mão e encosto a cabeça na escrivaninha antiga de madeira escura.
Está frio, cá dentro.
Estou só, cá fora.
Liliana