domingo, julho 05, 2015

AReia do TEMpo

Levantou-se vagarosamente, vestindo apenas o tempo que teimava em enrolar à sua volta. A caminho da casa de banho agarrava os minutos para não saírem do quarto.
Voltou com as mão molhadas, deitou-se novamente na cama e, com os ponteiros do seu relógio assentes na cabeceira, deixou o corpo embarcar na valsa dos dois que em um se tornaram.

No tempo fora do tempo, os telefones tocavam ao longe quase em surdina, e a cidade, cúmplice, abafava as ansiedades. 

Com o crescer do quarto, da lua, assim crescia a areia no lado de cima da ampulheta. Ao chegar ao limite, por fim, pé-ante-pé, pedindo licença às roupas perdidas por aqui e aos sapatos desemparelhados por ali, deixava saltar o primeiro ponteiro, cair o segundo grão, avançar o terceiro número. 

Aos poucos, o prédio, a rua, o bairro, toda a cidade acordava com/por eles deixando espreguiçar os sons que em silêncios os embrulharam nas horas anteriores.

Levantaram-se vagarosamente, deixando cair o manto que os abraçava nos dias que em noites tornavam. Lavaram os rostos e vestiram as roupas com que tinham chegado, agora estranhas aos corpos ainda trocados.

Lá fora um mundo por redescobrir à luz da lua, sua, num tempo que lhes fugia e antecipava os movimentos.

Separaram-se "como sempre, como antes", embora com a candura do primeiro beijo. Seguiram cada um pelo seu caminho acertando-se, aos poucos, com o relógio do mundo.

Sentou-se vagarosamente na cama, despiu-se sem pudores soltando a roupa por aqui e os sapatos por ali. Pela janela crescente espreitava a lua que iluminava o seu relógio sem ponteiros. Procurou-os nos bolsos, e enquanto sorria pensando onde os tinha deixado, encontrou a ampulheta, sem areia.

Liliana