Sei que o sol já pouco aquecia os corpos, que o céu amarelecia por volta das sete e que as tardes já pediam o aconchego de um casaco. Mas não sei dizer-me, ao certo, quantos os dias que passámos.
Lembro-me do rio, das gaivotas, do sol refectido na água e da cidade pintada de dourado.
Lembro-me das pontes que atravessámos e das palavras que em caminho tornámos.
Lembro-me das minhas mãos trémulas que hoje se aconchegam nas tuas sem pedir licença.
Lembro-me do teu sorriso ter prendido o meu olhar e ainda hoje não mo ter devolvido.
Lembro-me dos corpos que se descobriram um no outro quando se fizeram nascente e, a par, se perderam na força das ondas até desaguar na praia.
Lembro-me dos dias cinzentos, das palavras secas e dos silêncios amargos.
Lembro-me do vazio das ausências e do frio da distância.
Não me lembro de quantos dias passaram por nós.
Sei que esta margem onde hoje nos sentamos com os pés na água, é resultado dum caminho que vamos percorrendo em navegação à vista, sem bússola nem mapa nem planos de futuro. Sei que o vento não sopra as velas de forma igual e que há correntes agitadas a meio do leito. Mas não consigo saber com toda a certeza, quantos dias já vimos passar.
O que fica, no dia em que os dias deixarem de ser nossos, é o cesto redondo de verga onde guardo as memórias cheio de palavras e olhares e rios e sorrisos e correntes e corpos e gaivotas e mãos e sol e silêncios e lábios e bússolas e nós.
Os dias passaram e eu esqueci-me de os contar. Mas não me esqueci de tudo o que deles guardo para me contar.
Liliana