sexta-feira, maio 04, 2012

Casulo

Abriu a janela e o ar quente invadiu a sala sem pedir licença. Uma luz forte varria as ruas, e toda a cidade sorria, primaveril. Sentou-se em cima da cama e deixou-se vestir pelo sol, enquanto recordava o espelho do rio nas janelas dos avós, embalando as estações num corropio de barcos. Tinha de sair do casulo, abrir as asas, romper as amarras.

Forçou-se a arranjar-se, inventando razões para se despachar, mas sempre que se aproximava da porta perdia a vontade. Combinou um almoço, marcou um passeio, prometeu uma visita. A proximidade da entrada empurrava todos os compromissos borda fora. Estava dentro duma bolha insuflada por fantasmas tão subtis que, quase, invisíveis. A casa era uma protecção por oposição ao desagasalho da rua. Era um colo, uma fuga sem corrida, um risco anulado. Despiu-se e voltou à cama.

O sol avançava lentamente pelo horizonte enquanto, no tecto, a cidade projectava a sua vida, indiferente ao quarto e à casa e à reclusão voluntária que, por lá, se mantinha. Inspirou profundamente, não havia sinal visível de inquietude, o ar estava calmo, pacífico e tranquilo. Não estava infeliz, nem o contrário, limitava-se a estar, na sua luta interior para não sair para o exterior.

A necessidade, normal, de sobrevivência forçou a saída. Dançando com a roupa e com as desistências foi-se aproximando da porta, até que a chave acabou por girar. Já na rua sentiu-se mergulhar numa onda de tranquilidade, sorria aos canteiros e cumprimentava os vizinhos. Afinal nada lhe parecia perigoso, quanto mais avançava mais lhe apetecia avançar. Mas atrás de todos os sons e barulhos de fundo, lá mesmo atrás de tudo e de todos, escondido debaixo do cenário, um qualquer e incompreensível medo sussurrava-lhe que voltasse para casa.

Fez as compras, bebeu um café, comprou o jornal e começou a sentir-se impaciente. Tinha pensado que, depois de sair, ia ver o rio, lembrar o espelho da cidade e as suas ondas. Mas aos poucos tudo lhe começava a parecer tão longe, tão difícil, tão inacessível que a única coisa que queria era voltar para casa, para o seu canto, recanto do mundo, do seu mundo. A caixa dos medos ficara aberta.

Recuando no caminho percorrido, tentava perceber o porquê deste desalinho. Já em casa, depois de se despir, com a tranquilidade reposta e de novo na cama, olhava pela janela aberta para uma realidade tão distante como a margem sul do Tejo. Arrastava os móveis vezes sem conta como encaixando legos à toa e, arrumava as gavetas e as prateleiras com uma ansiedade despropositada, como que tentando desesperadamente uma organização interna que sustentasse o castelo de cartas das vontades e processos que conduzem à estabilidade.

Não, não era normal que só se sentisse bem estando em casa. De que fugia? Que medo lhe assombrava o céu que o tornava tão impenetrável? Que força estabilizadora procurava na rotina do quotidiano, que tantas vezes achara monótono e asfixiante?

Liliana