terça-feira, janeiro 31, 2012

Do medo de chorar

Trazia-o sempre com ela. Guardado no peito, apertado na mão, escondido num suspiro e às vezes (mas só às vezes mesmo),naqueles dias cinzentos por dentro, que por muito que o Sol brilhe não consegue acordar-lhes o ânimo, fugidio no canto dos olhos verdes pintalgados de castanho.

Não era por sua vontade, nem sequer escolha consciente, esta companhia constante. Estava com ela há tanto tempo que acabara por fazer da sua própria identidade. Assim como uma sombra que, ora nos segue ora nos abre caminho conforme a disposição da luz. Estava lá, sem convite nem lugar à mesa, aliás, o mais ignorado possível num canto sem atenção, mas estava lá. Era, com ela.

Sentia algum medo dele disfarçado de respeito. Fazia de tudo para o afastar sempre que o sentia por perto. Tinha a estranha sensação de que, se um dia o deixasse sair, se esvaziaria com ele, se diluiria e, provavelmente, acabaria por se afogar na foz ao juntar-se ao Oceano. Por isso continha-o. Fechava-o dentro de si, numa tentativa desesperada de salvar a sua integridade.

Disseram-lhe um dia que, para continuar, tinha de o largar. Que trazia bagagem a mais, que precisava de se tornar mais leve se queria avançar. Nesse momento, ela apercebeu-se que não sabia se sabia viver sem ele. Caminhavam juntos há tantos anos que a simples ideia de o soltar lhe parecia impossível e tão improvável como livrar-se dum braço, duma perna, ou de um ouvido...

Disseram-lhe que estava a afogar-se por dentro. Que a presença dele se tornava cada vez mais visível. Que se diluía aos poucos naquela relação parasitária que teimava em manter. Deram-lhe a mão e pediram-lhe que chorasse. Contaram-lhe que não se afogaria nas suas lágrimas e que seriam a bóia de salvação que, pensava, essencial. Fechou os olhos e imaginou-se a chorar, a libertar aquele mar que guardava no peito e procurou a sensação de liberdade que lhe haviam prometido.

Perdeu-se dentro do seu sonho, onde a maré lhe invadia o dia e a noite e a obrigava a nadar, perdida, à procura do porto seguro que se comprometera a aparecer num farol de paz. Sonhou um imenso mar que lhe bloqueava as portas e enchia as janelas. Sonhou que não conseguia acordar daquele mergulho interno. Sonhou um sonho tão negro que, ao acordar percebeu que não seria capaz de o libertar.

No dia seguinte, ao levantar-se, apertou-o ainda com mais força do que o habitual e escondeu-o o mais que pôde dentro de si. Saiu e no meio da rua, enquanto tentava passar despercebida por entre as pessoas, que corriam atrás dos ponteiros dos relógios que teimavam em andar mais depressa do que os carros, um imenso mar desaguou de dentro de si descendo as ruas em busca do Tejo... e ela, protegida no alto do farol, aguentou a força das águas e seguiu em frente, em busca da sua maré.


Liliana