quinta-feira, maio 26, 2011

Avenida de todos os sentimentos

A avenida tanto descia como subia, conforme o seu estado de espírito.

Havia dias que descia a avenida com o reflexo das águas ao fundo brilhando nos olhos, e a vida lhe era tão macia como o rio que, na ondulação suave, lhe sorria e desejava bom dia. Tardes havia, porém, em que subia a avenida com o peso da angústia nos ombros e nem os acenos do rio, que se esforçava por caber no pequeno espelho retrovisor, lhe faziam aligeirar a carga e esperar pela bonança que sempre chega, depois das chuvas torrenciais que lhe enchiam os olhos.

Aquela avenida era assim como que uma carta aberta, uma folha em branco onde o seu simples passar descrevia a sua própria existência.

Nas noites escuras de lua nova o próprio rio mostrava a escuridão que escondia nas gavetas que tanto tentava fechar, espelho negro de toda uma cidade que apenas luzes fantasma conseguia desenhar nas águas turvas que a banhavam. Mas os fins-de-tarde abafados de verão, com aquela brisa fresca que a ondulação confessava, mostravam a sua profunda confiança nas papoilas que dão cor aos campos e no sol que as rega de luz. Nessas tardes que se atrasam e demoram nos relógios dos que passeiam, conseguia ver a vida com todo o seu potencial renovador, ciclos que se encaixam e se seguem como um cântico calmo, alegre mesmo, mas infindável, que se estende muito para além da atmosfera. O seu sorriso era verdadeiro e o rio, finalmente em paz, devolvia-lhe o voo das gaivotas em loucos bailados ao pôr-do-sol.

Aquela avenida estava-lhe nas entranhas do ser, corria-lhe no sangue, e assim a vida era mais ou menos pacífica, de acordo com a sua disposição. Carros, pessoas, crianças que brincavam ou choravam à mercê dos seus devaneios, tudo girava numa estranha envolvência que lhe pertencia, que comandava sem se aperceber. É que, mesmo sem saber, a avenida tanto descia como subia, conforme o seu estado de espírito.




Liliana