terça-feira, março 29, 2011

Estás aí, Manuel?!

Estás aí?!

Pergunto eu baixinho com medo de acordar a lua e precipitar a resposta. Conheço bem o eco da minha voz no silêncio da noite. Abro as portas da varanda em par e repito a pergunta numa teimosia que serve apenas para manter viva a esperança da resposta...


Estás aí?!

Sussurro, articulo as palavras sem deixar sair o som, não quero assustar as estrelas. Sei da cumplicidade da noite e é nela que me envolvo enquanto a minha voz, em silêncio, percorre as ruas até chegar ao Tejo. As luzes reflectem-me nas águas que se agitam em pequenas ondulações e espalham a pergunta até à outra margem.


Estás aí?!... Estás aí?!...

Desde as esquinas apertadas de Alfama até às muralhas altas do Castelo, a brisa embala a minha voz e semeia nas pedras da calçada a pergunta feita em silêncio. O eco de uma árvore acorda as estrelas no escuro da noite e, cúmplices também, replicam em código Morse pelos céus...


Estás aí?!

Encosto-me na varanda banhada pelo luar e escuto a cidade que te chama comigo. Em todas as ruas os candeeiros esforçam-se por iluminar a esperança, e as árvores abanam os seus ramos enquanto perguntam às flores dos canteiros se sabem de ti. A madrugada acalma o silêncio em que a cidade cantava encoberta pela noite e, aos poucos, as águas do Tejo pintam-se de azul em sinal de um novo dia que nasce.


Na varanda, espreguiço-me e acordo de um sonho agitado. Volto para dentro e, enquanto fecho as portas de vidro, avisto na outra margem uma gaivota que parece perguntar...


Estás aí?!

Liliana Jan/2009


"Há muito tempo

era uma vez

um homem que se perdeu

da sua amada

e vagueou

por entre as nuvens do céu.

Perguntou

à mais pequenina

se a tinha visto ao passar

depois à nuvem

mais carregada

nenhuma o podia ajudar.

E assim passou tanto tempo

tecendo mil planos

em fios de algodão

que se desvaneciam

em nuvens no seu coração.

Todas as nuvens

da sua rua

foram à sua janela

escureceu, adormeceu

ficou a sonhar com ela.

E o mau tempo passou

o sol despontou

numa festa de cor

de manhã todas as flores

sabiam de cor

onde estava o seu amor."


"Pelas Nuvens" de Manuel Paulo

(interpretado por Graça Reis, no álbum Assobio da Cobra)