sábado, janeiro 22, 2011

Anda inventar realidades comigo, Clarice...

Escrevo enredos simbólicos, tão subtilmemente enrolados que nada mais transmitem do que a minha imensa necessidade de me ler. As palavras que escolho esvoaçam, flores num campo primaveril que apanho e com as quais enfeito grandes bouquets, na verdade pequenas aparas do espelho onde me procuro rever.

E espalho as palavras ao vento sonhando que, quem sabe, um dia num planeta distante um ser diferente me encontra, por entre os silêncios que afinal grito no desequilíbrio das rimas de que tanto fujo.

Mas, e se acaso numa rede distraída um dos meus mais íntimos silêncios nela se encaixa, em forma de borboleta, e uma mão meiga o afaga e aquece num abraço mudo? Poderia eu conviver com essa peça de um puzzle há tanto esquecido, perdido e desmontado no meio do pó das limitações do possível?

Ah! É que eu sei viver por entre as árvores sonhadas, de ramos fortes e folhas caducas. Eu conheço o mapa dos caminhos amarelos que, eternamente, construo e, continuamente, desaguam no mar. Eu consigo quebrar os muros e respirar um mundo livremente inventado!

Então porque teimo em me ler criatura limitada, confinada e acorrentada numa verdade tão curta que me auto-limita o horizonte à pequenez do estritamente exequível?

Liliana





"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. (...)
A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio."

in 'A Paixão Segundo G.H.' de Clarice Lispector