terça-feira, outubro 19, 2010

Deixa-me fazer-te uma pergunta, Pablo...


Já algum dia voaste ao lado duma andorinha perdida?
Não me digas que também sabes dos desertos que se transformam em pântanos à força das lágrimas contidas?
Conheces a dor dos que se escondem de si, passando a vida a ajudar os outros a encontrarem-se?
O teu espelho tem uma porta, na parte detrás, por onde podes entrar no mundo que apenas tu vês?
Ah! Quantas vezes já viste outros olhos procurarem pelos teus e embater na primeira projecção que tu próprio criaste para enganar a realidade?
E sabias das horas que nunca passam, e em ti ressoam como ecos numa montanha?
O que dizes ao vento que, de tanto te soltar o cabelo, conhece a tua mais profunda face?
Será que te apresentaram as janelas como passagens para uma outra vida, não inventada, mas possível, ali mesmo à mão de semear?
Também sentes as raízes, dos bolbos que em ti plantas, espalharem-se pelo teu corpo e alma sem, no entanto, lhes encontrares fruto ou flôr?
Os teus relógios contam os minutos todos seguidos, sem falhas, atrasos ou saltos ao futuro?
Algum dia estendeste os braços para abraçar o horizonte e te diluiste nele?
Nunca saltaste para o lado de lá do teu arco-íris?
Como jogas às escondidas com os teus medos?
Que imaginas de ti próprio, nos dias em que o nevoeiro não deixa ver o teu reflexo no Tejo?
Sabias que as rosas crescem dentro do coração?
Quando te encontras contigo, que dizes a ti mesmo?
Liliana


"(...)
Diz-me, a rosa está nua,
ou só tem esse vestido?
(...)
Porque é que as árvores escondem
o esplendor das suas raízes?
(...)
Quantas igrejas tem o céu?
(...)
Conversará o fumo com as nuvens?
(...)
É verdade que as esperanças
se devem regar com orvalho?
(...)
Porque se suicidam as folhas
quando se sentem amarelas?
(...)
Por que os gatos, só os gatos, têm 7 vidas?
(...)
Se não somos só nós por nós mesmos,
porque tantas vezes nos sentimos tão sós?
(...)"

"O livro das perguntas" de Pablo Neruda