segunda-feira, fevereiro 01, 2010

E se eu fosse às cores, também gostavas de mim?!



"- Mãe, se eu fosse verde às bolinhas azuis... gostavas de mim?" Perguntava a menina enrolada como um gato no colo quente da mãe que, tricotando camisolas dum novelo colorido onde escondia as desilusões, respondia tranquilamente "- Claro filha!"

Mas a menina, que via o novelo rodar à força das agulhas que lhe puxavam a linha e desvendavam as mágoas mesmo antes das enlaçar e enfeitar em casacos e cachecóis e camisolas e coletes, a menina sentia falta de cor nas respostas da mãe. E, enrolada no colo dela, como um gato em frente à lareira nas noites de tempestade, tornava a perguntar "- E se eu fosse... amarela com riscas pretas, ainda gostavas de mim?" A mãe sorria com o esforço das combinações ora fora de moda ora ora criativas das possíveis peles da menina, e com uma festa pelas costas do gato enrolado que ronronava ao toque, dizia sempre com a mesma paz "- Claro que sim, filha!"

A menina cresceu e as camisolas foram deixando de lhe servir, as linhas do novelo que trazia ao pescoço nos lenços e cachecóis foram perdendo a cor e, aos poucos, ela pensou-se cinzenta, ou branca, ou preta ou, quem sabe, amarela, mas de uma cor só, como todos, como os outros que a rodeavam e sorriam e brincavam e, pelo menos, pareciam felizes.

Então a menina vestiu esta pele e entrou na vida contente por ser igual, por se sentir segura, por não estar só como uma gato enrolado em frente à lareira nas noites de tempestade.

Mas havia uma coisa que a intrigava, algo que lhe fazia o coração bater mais forte e as pernas quererem voar e a cabeça, essa, querer imaginar... De quando em vez, sem conhecer bem a razão, a menina olhava para o céu e, por entre um amontoado de nuvens cinzentas, algo mágico cintilava, um arco colorido que unia dois pontos tão distantes como indiferentes, um mundo de cor que acordava nela um resquício de esperança e medo misturados numa tela de incerteza e inquietação.

Um dia a menina, espantada com esta cor que aparentemente a maravilhava só a ela, decidiu despir as roupas que trazia e, em frente ao espelho, foi descobrindo uma a uma as cores do arco-íris estampadas no seu corpo. Em riscas, em bolas, em efeitos estranhos, por toda a pele dela as cores, que tanto temera em pequena, invadiam todo a possibilidade de voltar a ser cinzenta, ou branca, ou preta ou, quem sabe, amarela, mas de uma cor só, como todos, como os outros que a rodeavam e sorriam e brincavam e, pelo menos, pareciam felizes.

Então, numa noite de chuva, a menina já grande já crescida já adulta, enrolou-se no colo da mãe, como um gato em frente à lareira nas noites de tempestade e, enquanto a mãe dobrava as camisolas e os vestidos que ela própria fizera de novelos que coloria com as cores da sua pele, perguntou baixinho "- E agora, que eu sou verde e azul e rosa e lilás e preta e amarela e laranja e vermelha e de tantas outras cores... quem poderá gostar de mim?"

Liliana Lima





"Somewhere over the rainbow"

(Num post já antigo aqui no Curvas... http://acurvadasletras.blogspot.com/2007/01/wizard-of-oz-ao-j.html)