segunda-feira, junho 08, 2020

a VIDA continuou

Chego, depois de muito tempo, tempo demais. 

A vida continuou por aqui. 
Os peixes dançam, inquietos, com o movimento exterior (a eles) e interior (a mim).

A vida não ficou suspensa no fio da navalha por eu não estar aqui. 
As flores nasceram (e algumas morreram), aqui e ali espreitam botões, gratos pela água que lhes trago no colo. 
Água que guardei das chuvas de Março que me levaram para longe daqui (mas não de mim). 

As paredes receberam-me com o mesmo sorriso de sempre e nas molduras conta-se a história... de mim. 
As velas, e a cama, e os móveis, e os espelhos e todas as portas, lembram-me que o meu ninho é aqui. 

A vida não parou sem mim. 
Os comboios ainda param na janela do quarto, a igreja continua a cantar as horas e na praceta de trás os carros, presos por outros carros, ainda apitam zangados por não poderem sair. 

O mar não me fala aqui. Nem o Sol se deita nele,  numa festa de cores mesmo em frente de mim. 
Os quartos ficam mais cheios, o duche tem vontade própria, e o piano não é de cauda. 

Chego depois de muito tempo. Não sei se tempo demais. 
E, no entanto, tudo me espera como se tivesse saído ontem. Não há julgamentos pela minha ausência, antes um suspiro de alívio, de gratidão, de boas vindas.

A minha história é vi(d)va aqui.


Liliana Lima