Passo na rua e olho para a que foi a minha janela durante tantos anos
Converso comigo própria e pergunto-me se sinto saudades
Não sinto nada
Os cactos estão maiores e lá dentro espreita um bocado de mim
Não sorrio nem choro para esse eu que ficou no anjinho que reluz do lado de dentro do vidro
Não sinto nada
Sempre gostei da vista daquela janela
No calor, os ramos das árvores quase que entram dentro de casa, atravessando a rua na passadeira em frente à porta
No Inverno, as folhas cobrem os passeios de neve verde amarelada e há uma espécie de papagaios miniatura que estrabucham enquanto procuram bagas para comer
Hoje, cá em baixo na rua, oiço-os e penso se sinto falta deles
Não sinto nada
Passo na rua daquela que foi, durante tantos anos, a minha janela
Deixo por baixo dela tudo o que de pesado pudesse vir comigo e levo tudo o que de bom consigo carregar no colo
Olho para trás enquanto e para o outro lado do passeio
Não sinto nada
Avanço e suspiro ao mesmo tempo que me arrepio com o vento fresco desta tarde solarenga de Inverno
E, de repente, sinto tudo