Levo os vestidos, dos dias claros junto ao Tejo
Levo os sonhos, três vezes saídos de mim e embalados a dois
Levo os sapatos, os vermelhos com que bati os calcanhares
E deixo as lágrimas, deixo os pilares que mantêm a casa, que construímos
Do tanto que fomos e construímos
Levo os casacos, de Inverno que lá fora está frio
Levo todos e cada sorriso que partilhámos, à mesa da cozinha
Levo os livros, partes de mim de que não consigo separar-me
E deixo as angústias, deixo arrumada a casa, que construímos
Do tanto que fomos e construímos
Levo o blush, o baton e o rímel preto
Levo a cumplicidade, partilhada numa troca de olhares
Levo os CD's, da música que se canta dentro e fora de mim
E deixo o silêncio, deixo o desencanto intruso nesta casa, que construímos
Do tanto que fomos e construímos
Levo as plantas que aprendi a cuidar
Levo o carinho servido num tabuleiro, numa manhã de domingo
Levo as malas, umas dentro das outras, as grande e as pequenas
E deixo as discussões, deixo as palavras amargas que ecoam na casa, que construímos
E deixo os quadros e as panelas
Deixo os sofás e os candeeiros
Deixo as televisões e os pratos
Deixo as estantes e as fotos nas paredes
Agora que abro a porta para sair
Guardo as noites e os beijos
Guardo os jantares e almoços a dois
Guardo os cheiros e os sabores
Guardo os recortes e as memórias
Dum amor que nasceu, cresceu e deu frutos
E, gradual e compassadamente, saiu pelas janelas e desaguou no Tejo
Que o levou nas suas águas e, tenho a certeza que agora
Agora que abro a porta para saír
"o mar / tem mais peixinhos a nadar"
Liliana Lima