quinta-feira, maio 05, 2011

Como toca a orquestra do tempo, Franz?!

Abro porta da rua que dá para a grande entrada oval com varias portas para salas e quartos e um corredor. Um pouco por toda a parte bocados de vida espalhados pelo chão, atirados para cima dos baús, pendurados no bengaleiro ou encavalitados nas estantes.

Pedaços de dias, horas, meses inteiros, momentos alegres rasgados, lágrimas que escorrem das paredes forradas a papel fora de moda. Toda a assoalhada coberta dum passado que teima em levitar, em invadir, em fazer-se lembrar. Uma grande entrada oval com varias portas para o absurdo possível dos dias que se passam.

Um sofá virado ao contrário que conta a história de um assalto espreita pela porta da sala. Roupas que se espalham pelo corredor sem ordem nem lógica. Uma casa de bonecas com mobílias em miniatura que se perderam no tempo, balança no tecto. Uma cozinha desarrumada sem cozinhados nem vida. Uma menina sentada num canto que se embala, cantando. Muitas casas, muitos dias, muitas histórias recortadas.

Abro a porta da rua que dá para a grande entrada com portas para as salas e o corredor que vai dar à cozinha. Casacos atirados para cima dos baús, espalhados pelo chão um monte de legos e carrinhos e brinquedos por onde tropeço. Canetas e lápis e papeis com desenhos encavalitados nas prateleiras espreitam quem entra.

Todo um absurdo que se transforma à medida que o tempo recua e avança "como bola colorida por entre as mãos de uma criança".

Liliana



"As forças do homem não são concebidas como uma orquestra. No homem é necessário que todos os instrumentos toquem constantemente com toda a sua força. Não foram destinados a ouvidos humanos e não dispõem da duração de uma noite de concerto durante a qual cada instrumento pode esperar para se fazer valer."


Franz Kafka, in "Meditações"