quarta-feira, março 24, 2010

Cacei-me, Milton!

Acendem as luzes, uma força imensa empurra-nos para a frente. Estamos na ribalta e os olhos cruzam-se falando mesmo antes das palavras, são adultos e precisam de tempo para confiar, para se darem e nos deixarem entrar.

Olhamos em volta e sentimos o palpitar do momento. Estamos no ar e, sem rede, despimos o pudor para nos darmos em palavras, gestos e movimentos que nos contam em histórias que trazemos marcadas no sangue.

Acendem as luzes, uma força invisível empurra-nos para a frente, são crianças e essas vêem-nos muito para além dos artefactos que usamos, muito antes do que esperamos. Avançamos com a nossa história embrulhada em palavras encadernadas em livros de outros, na esperança que a acolham, nos encontrem nela e se descubram dentro dela. Porque no limiar das palavras todas as histórias se convertem numa só.

Acendem as luzes e a força novamente nos faz avançar, correr, ao encontro de nós no outro e do outro em nós, numa comunhão de referências, numa partilha de imagens, numa mistura de metáforas.

Olhamos em volta e procuramos a ponta do novelo que todas as noites enrolamos como quem embala um filho, como quem se olha ao espelho sem maquilhagem ou acessórios, como quem se aninha em si próprio e, em paz, adormece nas contas das palavras que somam histórias e acabam em contos de vida, pequenas fagulhas que cintilam na noite e nos fazem acreditar.

Acendo as luzes e descubro a força que, afinal, brilha em nós. Olho para ti e sem hesitar avançamos, contamo-nos e damo-nos em histórias de vida que nos fazem acreditar que outros se podem encontrar, quem sabe deixar tocar, ou talvez mesmo aprender a acreditar...

Liliana


"Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu, caçador de mim

Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura
Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim"

"Caçador de Mim" de Milton Nascimento
Composição de Luís Carlos Sá e Sérgio Magrão