Imagino um grande baú onde guardo o que a vida me trás nas ondas que na minha praia adormecem. Apanho os momentos e as lembranças, quais pedras preciosas com que enfeito as janelas.
Sais a correr do tempo que já passou. Sais a correr e paras no agora, mesmo a tempo de me encontrares no tempo que ainda há-de vir. Por pouco não te reconheço... Foi o tempo que passou que te mudou o reflexo, ou foste tu que passaste com o correr dos ponteiros?
Com muito cuidado abro o baú à beira mar e procuro os recortes em que te guardei. Entre risos e entrelinhas, sais num arco-íris de mil cores que falam de sol e do Tejo e me sussurram uma cantiga de embalar.
Passas por mim e olho-te com atenção. Vejo-te reflectindo o tempo que passou, aquele que é agora e o que ainda não começou. Afinal, com o cair da areia fina que marca o virar da ampulheta, também eu mudei.
Sentamo-nos à beira rio e reaprendemos a conversar. Já não precisamos de nos apressar, os ponteiros já não precisam de correr, a urgência perdeu-se no tempo.
Liliana Lima
(Foto de Nuno Lino Martins)
"O tempo a que sempre regressamos
e nos visita um instante
O tempo que depois destruímos
construímos e ali-
mentamos se nos
alimenta
O tempo onde a luz buscamos
e a morte sempre
encontramos"
"Tempo revisitado" de Casimiro de Brito
in "Mesa do Amor"