quinta-feira, novembro 20, 2008

À minha avó... Parabéns!


Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de ser
contra a maneira do tempo
esta maneira de ver
o que o tempo tem por dentro.
Aristóteles diria
entre dois goles de chá
que o melhor ainda será
deixar o tempo onde está
pô-lo de perto no tema e
de parte na poesia para manter
o poema dentro da ordem do dia.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só.
Ele sabia que o poeta

depois de tudo inventado
depois de tudo previsto
de tudo vistoriado
teria de fazer isto
para não continuar
com que já estava acabado
teria de ser presente
não futuro antecipado
não profeta não vidente
mas aço bem temperado
cachorro ferrando o dente
na canela do passado
adaga cravando a ponta
no coração do sentido
palavra osso furando
pele de cão perseguido.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de riso
que é a mais original
forma de se ter juízo
e ser poeta actual.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
também diria antes só
do que mal acompanhado
antes morto emparedado

em muro de pedra e cal
aonde não entre bicho
que não seja essencial
à evasão da palavra
deste silêncio mortal

Arte Peripoética
José Carlos Ary dos Santos
(in "Adereços, Endereços", 1965 )