Não gosto de pássaros. Nem sei explicar bem porquê, há algo na sua imprevisibilidade de movimentos que me descontrola. Mas gosto de os ouvir (com uma distância de segurança), acalma-me. Aqui, uns remetem-me para os Verões no Guincho, outros para os Verões na Galé. Por isso sempre me agradou a companhia pacífica com algumas espécies voadoras que por aqui moram.
O silêncio acentuado e o decréscimo drasticamente prolongado de vivalma por estas ruas, aumentou não só o número de habitantes esvoaçantes, como a sua diversidade. Agora já não preciso fechar os olhos para me concentrar nos seus cantos, preciso sim para encontrar barulhos humanos.
Se, por um lado tenho à minha frente uma vista privilegiada sobre o mar, por outro não há manifestações de apoio a médicos ou bombeiros, não há vizinhos a cantar nem espírito de união sobre coisa nenhuma. Somos umas 10 famílias entre a minha janela e o horizonte.
Isso é bom, estamos muito resguardados.
Isso é mau, faz-me falta a interacção para além das... 20(?) paredes cá de casa.
A solidariedade, a comunicação entre vizinhos, a música partilhada bairro a bairro, chega-nos à hora do jantar quando o Francisco, imperiosamente, liga a televisão para ver "as estatísticas", mas fica-se por aí no exacto momento em que levantamos a mesa.
Temos o "admirável mundo novo" que nos permite ser família, partilhar experiências, namorar olhos-nos-olhos (para que ninguém se sinta longe da vista/longe do coração), estar em directo com quem nos quiser ver e ouvir. Temos. E fazemos uso dele. Mas nas 20 horas seguintes somos mesmo praticamente os únicos seres falantes destas tantas ruas que descem para o mar.
Não gosto de pássaros e nem sei explicar bem porquê. Mas nestes dias, e noites, tão estranhos, tão diferentes, tão desafiadores, encontro-me vezes sem conta na varanda da frente virada para o mar ou na da cozinha virada para os quintais, de pé, sem fazer nada, sem dizer nada, sem cantar até (coisa rara), apenas a ouvir... a imensidão de vida que nos rodeia.
Liliana Lima