segunda-feira, abril 13, 2020

pássaros do NORTE

Não gosto de pássaros. Nem sei explicar bem porquê, há algo na sua imprevisibilidade de movimentos que me descontrola. Mas gosto de os ouvir (com uma distância de segurança), acalma-me. Aqui, uns remetem-me para os Verões no Guincho, outros para os Verões na Galé. Por isso sempre me agradou a companhia pacífica com algumas espécies voadoras que por aqui moram.

O silêncio acentuado e o decréscimo drasticamente prolongado de vivalma por estas ruas, aumentou não só o número de habitantes esvoaçantes, como a sua diversidade. Agora já não preciso fechar os olhos para me concentrar nos seus cantos, preciso sim para encontrar barulhos humanos.

Se, por um lado tenho à minha frente uma vista privilegiada sobre o mar, por outro não há manifestações de apoio a médicos ou bombeiros, não há vizinhos a cantar nem espírito de união sobre coisa nenhuma. Somos umas 10 famílias entre a minha janela e o horizonte. 

Isso é bom, estamos muito resguardados. 
Isso é mau, faz-me falta a interacção para além das... 20(?) paredes cá de casa.

A solidariedade, a comunicação entre vizinhos, a música partilhada bairro a bairro, chega-nos à hora do jantar quando o Francisco, imperiosamente, liga a televisão para ver "as estatísticas", mas fica-se por aí no exacto momento em que levantamos a mesa.

Temos o "admirável mundo novo" que nos permite ser família, partilhar experiências, namorar olhos-nos-olhos (para que ninguém se sinta longe da vista/longe do coração), estar em directo com quem nos quiser ver e ouvir. Temos. E fazemos uso dele. Mas nas 20 horas seguintes somos mesmo praticamente os únicos seres falantes destas tantas ruas que descem para o mar.

Não gosto de pássaros e nem sei explicar bem porquê. Mas nestes dias, e noites, tão estranhos, tão diferentes, tão desafiadores, encontro-me vezes sem conta na varanda da frente virada para o mar ou na da cozinha virada para os quintais, de pé, sem fazer nada, sem dizer nada, sem cantar até (coisa rara), apenas a ouvir... a imensidão de vida que nos rodeia.

Liliana Lima