quinta-feira, fevereiro 18, 2021

(C)idades (in)visíveis

Havia a música sempre presente que pairava em todas as horas dos dias

Havia os livros, desde a banheira até à "Origem" de todas as Espécies e vontades.

Havia as palavras, vivas, reais, contadas, cantadas, gritadas às vezes, pintadas nas paredes ou embrulhadas em mimos e escritas ou reescritas e "até" conversadas.

Havia as imagens, projectadas no "grande da sala", ou na sala grande dos cinemas, os filmes e os seus enredos e as suas mensagens e as suas bandas sonoras e a ligação a livros e a canções que repetidamente repetíamos.

Havia as histórias, as nossas de cada dia e as d'O Quarto da Lua, cada uma com a sua forma de dizer tantas vezes misturadas e baralhadas.

Havia o corredor e o hall, sempre em remodelação, com o resto da casa que virava do avesso a cada estação.

Havia as festas com bolos, que roubava na net, em forma de barco, de peixe, de palhaço, de pista de carros, de linha de comboios e até de campo de futebol.

Havia os carnavais e os fatos "mais ou menos" a pedido, anualmente mais complexos (e caros... até deixarem de pedir), e as abóboras escavadas e pintadas à mão no dia das bruxas. 

Havia os pintos acabados de nascer, escolhidos e baptizados imediatamente pelo seu dono por duas ou três semanas.

Havia as fotos, muitas, e as primeiras selfies com o telemóvel ao contrário com a câmara virada para um espaço incógnito tantas vezes longe das nossas caras.

Havia os corações, em tecido colorido, ou cartão pintado, ou colagem de tudo o que nos apetecesse, com "mensagens alegres" para um alguém desconhecido que os encontraria e, na nossa imaginação, se tornaria também num Ping'Amor.

Havia os pick-nicks na cama, na minha, com uma toalha por cima e uma competição pelos lugares com encosto na cabeceira.

Havia música, os CD's na aparelhagem da cozinha para ir cantando e dançando, ou na sala com a popa e circunstância que a qualidade das colunas e amplificador exigiam, ou mesmo no carro, repetidos até se conhecerem de cor salteado.  

Nas cidades em que crescemos, nós quatro, havia (há) todo este conhecimento e muito mais. É só levantar o penteado (como na canção).

Hoje estamos a construir uma nova cidade, num "admirável mundo novo" que será como e onde nós quisermos.


Liliana Lima